Homenagem ao ícone Álvaro das Camélias, que faleceu no último sábado (20/09), florista histórico da Camélia Flores, na Rua do Rosário, referência de generosidade no Rio.
Por Wagner Victer*
Um fim de semana muito triste com a partida de uma pessoa que marcou pela simpatia e pelo carinho transmitido por meio das flores. A história mostra que, muitas vezes, gestos e atitudes consolidam nomes de figuras importantes ao longo do tempo — florindo, literalmente, o cotidiano de nossas vidas. Essa sinergia de sentidos é marcante. Quem leu O Pequeno Príncipe lembra de como o principezinho cativou uma rosa e assumiu a responsabilidade por ela na célebre mensagem: “Você é responsável por aquilo que cativa”. A obra de Saint-Exupéry ajuda a compreender a trajetória de um homem que, no nosso “Planeta Rio de Janeiro”, virou uma Camélia. Álvaro transformou a flor em sinônimo de sua própria história, eternizando-se no imaginário carioca.
A simbologia da Camélia
Para entender a escolha de Álvaro, é preciso lembrar a história das camélias no Brasil. Tornaram-se símbolo do abolicionismo, pois, no Leblon, havia um quilombo cujo dono, o português José de Seixas Magalhães, cultivava as flores com o apoio de escravos fugidos e abolicionistas. A camélia, usada na lapela ou plantada na porta das casas, virou senha de liberdade.
A Princesa Isabel, em aparições públicas, chegou a ostentar a flor. E no 13 de maio de 1888, ao assinar a Lei Áurea, recebeu um buquê de camélias como homenagem. Assim, não é possível falar das camélias sem pensar em Álvaro — nem falar de Álvaro sem lembrar das camélias. Ele transformou a atividade do florista em profissão, identidade e marketing pessoal, perpetuando o nome até repassá-lo ao filho.
Mais que flores
Com o tempo, vieram outras flores, como as orquídeas, que Álvaro tornou presença constante em cerimônias e homenagens. Sua marca era transformar o ato de dar flores em demonstração espontânea de carinho. Os taxistas o tratavam como íntimo, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, tal a força do nome. No rádio, enviava abraços e flores de forma repentina, sem pedir nada em troca. Recordo de uma cena: ao entrar nos estúdios da Rádio Tupi, vi Isabele Benito receber flores de Álvaro das Camélias ao vivo, no aniversário do filho. Ela disse: “É a primeira vez que ele ganha flores”. Esse era o Álvaro: surpreendente, atencioso, inesquecível.
O mercado e o legado
O Mercado de Flores nasceu em 1904, fundado por abolicionistas na Praça Olavo Bilac. Em 1908, no Box 8, surgiu a Camélia Flores. Desde 1959, sob o comando de Álvaro, a loja na Rua do Rosário se tornou referência, resistindo até mesmo à pandemia .Álvaro também se destacou pelo compromisso com a cidade: doava coroas para policiais vitimados, flores para festas de debutantes em comunidades e para eventos culturais importantes. Se estivesse em outro país, seria estudado em Harvard como case de marketing intuitivo e eficiente: transformou o simples gesto de vender flores em marca global. Segundo o radialista Antônio Carlos, Álvaro foi o florista mais conhecido do Brasil. Eu iria além: talvez não tenha havido no mundo alguém tão identificado com essa profissão quanto o nosso Álvaro das Camélias.
Eternidade florida
Agora, no reino dos céus, Álvaro será sempre lembrado como uma camélia — delicada e resiliente. Um homem que deixou na cidade não apenas flores, mas o exemplo de como a simpatia, a solidariedade e o amor podem se perpetuar como eternidade.
*Wagner Victer é Engenheiro, Administrador, Jornalista, morador da Ilha do Governador e torce para o Fluminense e para a Portuguesa
Fonte: www.diariodorio.com
Nota
Álvaro Barros Moreira, o Álvaro da Camélia, dono da tradicional Camélia Flores e conhecido nacionalmente como o florista mais famoso do país, morreu em casa aos 84 anos, vítima de um infarto. Fundada há mais de um século no centro do Mercado das Flores, na Rua do Rosário, a Camélia Flores é considerada a floricultura mais antiga da cidade.
Um comentário:
Que já esteja ao lado do Pai
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