terça-feira, 23 de agosto de 2011

Cultura do monopólio

por Ubiratan Leal

O mercado de cervejas no Brasil tem razoável variedade de rótulos, mas pouca variação de fabricantes. Em 2010, a AmBev detinha 70% das vendas, alavancadas por Skol, Brahma e Antarctica. Quando a empresa surgiu, em 1999, ninguém imaginou que seria diferente, ainda mais quando o Cade determinou que a única obrigação da nova empresa era vender a marca Bavária. Em 2009, quando a Procter & Gamble (Oral-B) entrou no mercado de creme dental, a Colgate-Palmolive detinha 60% dos consumidores nesse segmento, ainda resquícios da compra da Kolynos. Nas comunicações, a Globo ficou com 70% de tudo o que foi gasto com publicidade em TV aberta e 45% de todas as mídias (incluindo TV fechada, jornal, revista, internet e rádio) no ano passado.

Não são raros os casos de monopólios ou de quase monopólios na economia brasileira. E nem sempre o combate a eles é duro o suficiente. Por isso, a revista inglesa Financial Times tinha argumentos válidos ao criticar a postura das autoridades brasileiras na infrutífera negociação de compra do Pão de Açúcar pelo Carrefour. O poder público aceita esse tipo de domínio de mercado, fingindo que acredita em explicações como “criar uma multinacional de origem brasileira”, e a população não se vê especialmente motivada a protestar contra isso. Por mais que fira seus direitos como consumidores.

É esse o momento que o futebol brasileiro vive, potencializado pela quebra do Clube dos 13. Os grandes clubes (os “12 grandes”, mas sobretudo Corinthians e Flamengo, pelo apelo popular e de mercado) têm cada vez mais ferramentas para aumentar sua grandeza, enquanto os pequenos (nem tão pequenos assim, porque há muito time tradicional nesse bolo) são obrigados cada vez mais a aceitar sua pequenez. Um princípio de monopólio (na verdade, oligopólio) nos clubes que se construiu em cima do monopólio da TV. E muita gente não só acha isso normal, como acha que é certo, sob a lógica do “se eles têm mais torcida, merecem mais dinheiro”.

Será que é realmente assim que se faz um mercado (no caso, o esportivo) sólido e sustentável? Em diversos setores da economia, o governo tem mecanismos para promover a competição e que várias empresas tenham condições de competir para oferecer produtos melhores e mais baratos possíveis ao público. Se o cenário induzir um indivíduo a trocar de pasta de dente, ele o fará. No esporte, o consumidor-torcedor não troca de marca porque a outra é mais barata ou tem embalagem mais chamativa. Ele tem uma fidelidade maior até que a dos devotos de Steve Jobs pela Apple.

Essa imobilidade do público torna o caso do futebol ainda mais delicado. Não criar condições para que todos os clubes sejam sustentáveis e consigam competir com um mínimo de dignidade é alijar do mercado uma multidão de pessoas. Elas não trocarão o Sport ou o Coritiba por Flamengo ou Corinthians se suas marcas preferidas se tornarem inviáveis. Eles se tornarão órfãos de clubes, não-consumidores. E não é inteligente ao futebol brasileiro, como indústria, dar de ombros para milhões de clientes.

Ainda que algumas pessoas reclamem, a questão do monopólio não parece cativar o brasileiro como um todo. Não motiva protestos ou demandas por uma regulação mais equilibrada dos mercados. Só nos centros acadêmicos de universidades de humanas que se protesta contra a Globo. Ninguém fez manifestação contra a AmBev ou criou debates públicos no caso Pão de Açúcar-Casino-Carrefour. Talvez porque, se tivesse dinheiro para fazer o que bem entendesse, muita gente gostaria de viver em um ambiente em que pudesse se impor economicamente sobre os demais. E, se ele faria isso, acha justificável que quem pode o faça.

Por envolver paixões, o monopólio do futebol pode causar algum tipo de comoção pública em médio prazo. E, se isso acontecer, é preciso que siga em frente, que não se perca de vista que é o mesmo fenômeno que já toma diversos setores da economia brasileira.
Fonte: http://www.balipodo.com.br/

Nenhum comentário: