domingo, 3 de julho de 2011

Itamar Augusto Cautiero Franco

O adeus do colecionador de singularidades
por Augusto Nunes*
O mineiro registrado em Salvador com o nome de Itamar por ter nascido a bordo de um ita no mar da Bahia já chegou ao mundo colecionando singularidades e paradoxos. Foi o que fez Itamar Augusto Cautiero Franco até o fim da vida: nos últimos cinco meses, por exemplo, reafirmou no Congresso que o destino determinou no dia do nascimento que aquele seria ─ ele sim ─ um homem incomum: aos 81 anos, mostrou-se o único senador da oposição disposto a combater o governo com o vigor e a determinação de um líder estudantil.

Diferente desde o berço, chegou ao Senado pela primeira vez em 1974, quando ainda era um político de província, empurrado pela onda de insatisfação com o regime militar. O fenômeno transferiu para Brasília, sem escalas, o prefeito reeleito de Juiz de Fora que nunca tivera votos fora do município. Integrante da bancada majoritária, obstruiu sozinho dezenas de sessões para impedir a aprovação de projetos que o desagradavam. Irretocavelmente honesto, aceitou ser candidato a vice de Fernando Collor. Sorte do Brasil: a decretação do impeachment seria muito mais complicada se o substituto fosse como o titular.

Impulsivo, temperamental, rompeu com o companheiro de chapa já no começo do mandato, mas não o atacou ostensivamente nem estimulou conspirações. Premiado pela conjunção de acasos com o cargo que todo político cobiça, adiou a posse por alguns dias para ficar ao lado da mãe enferma. Turrão, montou o primeiro governo de união nacional da história republicana. Como o PT preferiu hostilizá-lo, resolveu o problema à mineira: convenceu Luiza Erundina a representar no ministério o partido que ajudara a fundar.
Erundina foi suspensa pelos companheiros, mas ampliou coleção de espantos produzidos pelo novo presidente. Instalado no gabinete mais importante do país, irritava-se com jornalistas que o impediam de namorar em paz no cinema de Juiz de Fora. Avesso a exibicionismos, apareceu num camarote na Marquês de Sapucaí ao lado de uma modelo sem calcinha. (Num artigo na Zero Hora, creditei-lhe a invenção da primeira-dama por uma noite. Ele retrucou com uma carta manuscrita em que me acusava de fazer-lhe "oposição sistemática").

Sem entender de economia, nomeou para o Ministério da Fazenda um sociólogo que, embora também pouco entendesse, acabaria dividindo com o presidente a paternidade do Plano Real. Só um Itamar Franco pensaria em tirar Fernando Henrique Cardoso do Ministério das Relações Exteriores para encarregá-lo de domar a inflação. Só um Itamar Franco daria plenos poderes à equipe de economistas recrutados por FHC que livraram o Brasil do pesadelo inflacionário. E só um Itamar Franco, depois de ter desencadeado o processo de ressurreição da economia em frangalhos, pensaria em ressuscitar o Fusca.

A Volkswagen voltou a fabricar o modelo pré-histórico a pedido do presidente, que amparou a reivindicação em motivos estritamente estéticos: ele achava bonito o carrinho feioso. Monoglota, fez questão de virar embaixador ao deixar o poder. Contemplado com postos disputados a cotoveladas por todos os diplomatas, não demorava a entediar-se: achava que os palácios e mansões onde morava ficavam muito longe de Minas em geral e, em particular, de Juiz de Fora. (Num artigo no Jornal do Brasil, recomendei-lhe que ficasse mais tempo no local de trabalho. Ele replicou com outra carta desaforada).

"O Itamar guarda os ódios na geladeira", disse Tancredo Neves. Não sobrou espaço para estocar alguns ressentimentos que o atormentaram depois da passagem pela Presidência. O mais evidente distanciou-o de FHC ─ e, por algum tempo, aproximou-o perigosamente de Lula. "O Fernando não reconhece que foi eleito por mim e que o Plano Real aconteceu no meu governo", zangou-se em incontáveis entrevistas. Fernando Henrique sempre revidou com elogios e manifestações de gratidão, mas só recentemente a reconciliação se consumou.
Feitas as contas, Itamar acertou bem mais do que errou. Mas bastaria a evocação da rara marca de qualidade que marcou o presidente morto na manhã deste sábado para garantir uma avaliação positiva: político em tempo integral desde a juventude, ele foi sempre franco, honesto e honrado. Num Brasil em decomposição moral, vai fazer muita falta.
*Augusto Nunes é Jornalista

Um comentário:

Pc.iapba disse...

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