segunda-feira, 6 de junho de 2011

Fluminense F.C.

40 Anos De Um Título Heróico E Histórico - 1971 (06/06/2011)
por Cezar Motta*

Aconteceu há exatamente 40 anos. Um dos títulos mais sensacionais do Fluminense, quando o Campeonato Carioca era o mais importante do país, mais até do que o Campeonato Brasileiro, que tínhamos vencido no ano anterior pela primeira vez. Mais do que a Libertadores. Era o campeonato ouvido pelas rádios Globo e Nacional em todo o país, porque não havia transmissões de tevê.
O Brasil vivia em 1971. sob o governo Medici, o período mais duro da ditadura militar; os órgãos de informação passaram a trabalhar em conjunto e valia tudo na caça à maluquice tresloucada dos grupos armados de esquerda. Todos os meios de comunicação viviam sob censura.
Nos jornais, rádios e televisão, o general Emílio Garrastazu Médici ainda comemorava o tricampeonato no México e o crescimento da economia à razão de 10% ao ano, o chamado “milagre brasileiro”. Telefonar de uma cidade para outra, ou de um estado para outro, demorava horas ou até mesmo dias, porque ainda não havia DDD. Telefone celular ou TV a cabo, só mesmo nos mais absurdos filmes de ficção científica.
O campeonato carioca daquele ano teve 12 times. Os clubes do interior, Americano, Goitacás, Friburguense e outros, não participavam, porque o Rio de Janeiro era uma cidade-estado, o Estado da Guanabara, resultado da transferência do Distrito Federal para a recém-criada Brasília. Do outro lado da baía, havia o antigo Estado do Rio, capital Niterói, com seu próprio campeonato.
A fusão Guanabara-Estado do Rio só aconteceu em 15 de março de 1975, com base em uma Lei Complementar de Geisel de julho de 1974. A atividade política havia sido suprimida pelo Ato Institucional n° 5, de 1968, e pela Emenda Constitucional de 1969. Toda a oposição no campo cultural, artístico e político estava presa, morta ou no exílio. O único espaço de oposição era o tablóide “O Pasquim”. Os partidos políticos eram o do sim, o MDB, e o do sim-senhor, a Arena.
Eram, portanto, os quatro grandes clubes do Rio contra América (ainda era quase grande), Bangu (idem), Bonsucesso, Campo Grande, Madureira, Olaria, Portuguesa e São Cristóvão. O Canto do Rio tinha sido excluído. Apesar de ser o campeão brasileiro, o Fluminense não era o favorito. Nem o Vasco, campeão carioca de 1970, depois de um jejum de 12 anos.
O Vasco foi campeão no ano anterior, sim, mas era um time fraquíssimo, como acontecia já desde os anos 50 – foi a pior fase deles, os anos 60. O Flamengo nem se fala: era um timeco, com Fio, Caldeira, Liminha, Onça e vários outros pernas-de-pau e veteranos.
O Fluminense, mesmo campeão brasileiro, era desacreditado como “timinho”, apesar de contar com grandes jogadores e dois campeões mundiais, como Félix e Marco Antônio. Outro time bom e perigoso era o Olaria, com Afonsinho, Roberto Pinto (ex-Vasco, Bangu e Flu), os zagueiros Miguel e Altivo, o lateral Alfinete.
“Ano sim, ano não, Fluzão campeão”. Foi nessa época, fim dos 60 até 1976, que esse ditado tomou forma. Nosso time base era Félix; Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denilson e Didi; Cafuringa (Wilton), Ivair (Cláudio Garcia), Flávio (Mickey) e Lula. O grande Samarone tinha sido trocado pelo Príncipe Ivair no início do ano com a Portuguesa de Desportos. Ivair acabou como artilheiro da competição com nove gols, embora nunca mostrasse no Flu o mesmo brilhante futebol dos tempos da Lusinha.
Por que o Botafogo era o grande favorito? Primeiro, porque a mídia carioca era majoritariamente botafoguense. Se hoje existe a Flapress, havia então a Botapress. A Flapress era apenas a “Flaprensa” nas redações, jovens jornalistas urubus que só depois iriam assumir postos de chefia.
O Bota, que já tinha Jairzinho, Paulo César, Rogério, Zequinha, Nilson Dias e outros grandes jogadores, contratara grandes estrelas, como o Capitão do Tri, Carlos Alberto (ainda não era chamado de Torres), o campeão do mundo Brito, o lateral esquerdo ex-flamengo Paulo Henrique, o quarto-zagueiro Leônidas, ex-América. E o baixote goleiro Ubirajara Mota, que veio do Bangu já bem veterano, mas ainda com prestígio. No papel, era um timaço. O técnico era um ex-jogador, Paraguaio, que se limitava a distribuir as camisas no vestiário e gritar “vamos lá, pessoal!”.
O técnico do Flu era o campeão mundial Zagalo, que tinha sido demitido pelo Botafogo depois de vencer com a Seleção no México, e estava louco por vingança pessoal contra o ex-clube. Não era ainda a figura amalucada em que se transformaria depois – era um técnico de 40 anos obsessivo, bom observador e detalhista. A comissão técnica era a da seleção brasileira, campeã um ano antes no México, com Carlos Alberto Parreira como preparador físico.
O Flu havia contratado em 1969 o supervisor do Coritiba, Almir de Almeida, ex-jogador de basquete do próprio Flu. Era uma novidade, um diretor remunerado. O futebol do clube deu um salto de qualidade. Almir era uma espécie de gerente, de manager, ou “gestor”, como gostam de dizer hoje. Ajudou a montar aquele time campeão e organizou o futebol em bases mais modernas – para a época, claro.
O país vibrava com a novela “Irmãos Coragem”, da ainda jovem (seis anos) TV Globo - a primeira novela assumidamente assistida por homens.
Curtíamos no cinema o primeiro “Dirty Harry”, de Clint Eastwood, “Verão de 42”, “Roberto Carlos a 100km por Hora”, “Butch Cassidy e Sundance Kid”, “Operação França”, com Gene Hackman, “Morte em Veneza”, de Visconti. E cantávamos “Pega no Ganzê”, de Oswaldo Nunes, “Detalhes” e “Amada Amante”, de Roberto Carlos, “Tarde em Itapoã” de Vinicius e Toquinho, “Madalena”, de Ivan Lins, com Elis Regina, e nos surpreendíamos com o fantástico grupo de cantores, compositores e poetas conhecido como “Clube da Esquina”, Milton Nascimento à frente. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, todos tinham sido presos e expulsos do país.
Os festivais de música estavam em declínio, mas tinham eletrizado o país desde 1966, revelando uma nova geração de cantores e compositores, Edu Lobo, Chico, Milton, Caetano, Gil, Edu Lobo, Os Mutantes, o MPB-4, Elis Regina, Zé Rodrix e o Som Imaginário. Enquanto tudo isso acontecia, o Flu se preparava para mais um de seus títulos impossíveis.
Como em quase todo grande título do Flu, começamos mal, empatando com a Portuguesa e com o América em 0 x 0. Só na terceira rodada conseguimos vencer: 3 a 1 no Vasco. Nas duas rodadas seguintes, novos fracassos. Outro 0 x 0, agora contra o Olaria, e depois uma derrota por 1 x 0 para o Botafogo. Neste jogo, esquecido por “eles”, fomos clamorosamente assaltados pelo juiz Carlos Costa, que inventou um pênalti em Jairzinho – Paulo César converteu. Eram dois grupos de seis clubes cada, classificavam-se os quatro primeiros de cada um. O Flu foi apenas o terceiro de seu grupo.
Os jogadores e os jornalistas-torcedores do Botafogo já comemoravam o título ainda no primeiro turno do campeonato, desde abril. Paulo César Caju tirou fotos com a faixa de campeão no peito. Armando Nogueira, João Saldanha, Sandro Moreyra, Cláudio Mello e Souza, os principais cronistas botafoguenses, e mais a turma menos talentosa, Oldemário Touguinhó, Luís Mendes e outros, não conseguiam conter a euforia e o desprezo ao Flu.
Na reta final, o Botafogo tinha quatro pontos à frente do Flu. Não havia três pontos: a vitória valia dois pontos, e o empate, um. Faltando três jogos, como dizia, o Botafogo empatou com o América em 1 a 1 e o Flu bateu o Fla por 2 a 0. Na rodada seguinte, Flu 2 a 0 no Vasco e...os favoritíssimos perderam para o fraquíssimo time do Flamengo.
Fomos para a finalíssima com um ponto atrás – o empate era deles. Maracanã cheio, com cerca de 150 mil torcedores. A televisão não podia transmitir (acreditava-se que “esvaziava” os estádios), não havia Internet – as opções eram ir ao Maraca ou ouvir pelo rádio.
A cidade parou, como em toda decisão de título carioca. O som ouvido nas ruas vazias era o eco dos sinais sonoros das emissoras de rádio. Não havia a profusão de câmeras que há hoje nos estádios, apenas uma central, na cabine de rádio, e uma atrás de cada gol.
Jogo duríssimo, equilibrado, zero a zero até os 43 minutos do segundo tempo, bom pra eles. Carlos Alberto Torres arrebentou o menisco logo no começo do jogo, e eu me lembro exatamente do que ele disse aos latinhas de rádio ao sair do campo, carregado: “Foi uma infelicidade, mas vamos faturar isso aí, a gente tem mais time”. Entrou o fraco Mura. No Flu, o grande goleador Flávio (em desgraça no clube porque, sendo negro, cometera a heresia de namorar a filha do presidente Francisco Laport) entrou no lugar de Didi Beija-Flor, e Cafuringa substituiu Wilton.
O pesquisador tricolor Alexandre Berwanger lembra que os dois times entraram desfalcados. O Flu não tinha, por exemplo, o grande Denilson, o Príncipe Zulu, jogador importantíssimo e quase uma lenda tricolor. Jogou o magro Silveira, que tinha apenas um chute fortíssimo.
Bom, 43 minutos do segundo tempo, a torcida do Botafogo e os jornalistas-torcedores na Tribuna de Imprensa e nas cabines de rádio já festejando o título. Foi quando o nosso excelente lateral direito Oliveira, um paraense que foi, sem dúvida, um dos melhores cruzadores de bola do futebol brasileiro, recebeu a pelota curtinha de cobrança de escanteio - a tal "jogada ensaiada". Olhou para a área, viu o lateral esquerdo Marco Antônio se projetando e cruzou alto. Ubirajara Mota saiu do gol desesperado.
Marco Antônio tinha 1m81 e 20 anos de idade. Ubirajara tinha já seus 35 anos e 1m75. A bola passou fora da pequena área. O velho goleiro não conseguiu segurar, chocou-se com Marco Antônio e a bola caiu limpa nos pés de Lula. Caçapa!
O ótimo juiz José Marçal Filho, sem hesitar, apontou e correu para o centro do campo, assim como o bandeirinha. Estava inaugurado o chororô botafoguense, o choro dos que não sabem perder.
Em vez de buscar o empate nos minutos finais, como certamente faria o Flu, a Cachorrada preferiu desistir do jogo e peitar o juiz. O volante Carlos Roberto foi expulso. O desespero tomou conta deles e o experiente e categorizado time do Flu controlou a partida até o fim.
Nos microfones das rádios e um pouco mais tarde nas redações de jornais, o choro era convulsivo e escandaloso. Oldemário Touguinhó, em sua linguagem tosca, acusava um "assalto". O árbitro José Marçal Filho foi chamado de tudo, até de “crioulo ladrão” durante o resto do ano.
Finalmente, os poderosos jornalistas botafoguenses conseguiram liquidar com a carreira dele. Nunca mais Marçal apitou uma partida de futebol.
Não houve falta de Marco Antônio, mas é delicioso dizer que, sim, houve falta, só para curtir o choro e o desespero que inaugurou o patético comportamento que os botafoguenses mantêm até hoje.
Foi um daqueles títulos heróicos, que só o Flu sabe conquistar – não importa a época, a situação do clube, a qualidade do time ou da diretoria. São vitórias da nossa mítica camisa e da nossa torcida. O ódio dos velhos botafoguenses pelo Flu aumentou ainda mais.
A ditadura continuou duríssima, e a classe média, deslumbrada com o crescimento econômico, a fartura de crédito e a modernização do Brasil urbano, permaneceu adormecida por um bom tempo. Mas nós, tricolores, tivemos motivos para festejar muito – e rir bastante do choro da cachorrada.

Cezar Motta - (cezar_motta@uol.com.br)
Colaboração: Alexandre Magno Barreto Berwanger

Um comentário:

ALEXANDRE MAGNO disse...

Lembrando que a vantagem botafoguense do empate no jogo final foi conseguida com um gol irregular contra o mesmo Fluminense, na ÚNICA derrota do timaço tricolor no campeonato, na partida também válida pela fase final, quando Jairzinho se atirou na área sem ter nenhum jogador do Fluminense próximo o suficiente para derrubá-lo e o árbitro marcou pênalti.
Os botafoguenses comemoraram efuzivamente durante a semana a grande malandragem de seu jogador!
No final ainda foram reclamar da arbitragem!!!!!!!!!!