Redenção mineira
Há 45 anos, as divisas de Minas se abriam para o Cruzeiro, com a conquista da competição nacional, oficializada no ano passado pela CBF como título brasileiro
Taça Brasil de 1966 descentralizou o futebol brasileiro e inseriu o Cruzeiro no cenário nacional e mundial. Disputada em modelo parecido ao da atual Copa do Brasil, a competição ficou marcada por duas memoráveis vitórias celestes sobre o quase imbatível Santos de Pelé, Pepe, Zito, Edu, Dorval e Gilmar. Triunfos que deram o título à equipe mineira e revelou nomes como Tostão, Dirceu Lopes, Natal, Raul e Piazza.
Até então, o Cruzeiro conhecia apenas os gramados de Minas e ainda lutava contra equipes como o Siderúrgica, de Sabará, para se firmar como grande força no estado. Nem sequer tinha centro de treinamento ou algo parecido com a atual elogiada estrutura. A realidade do time e do próprio futebol mineiro começara a mudar em 1965, com a inauguração do então moderno Mineirão.
Antes do estádio da Pampulha, o Cruzeiro treinava e mandava seus jogos no acanhado campo do Barro Preto, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. O local hoje é um dos dois clubes de lazer da Raposa. “O profissionalismo no futebol só existia de direito, não de fato. Não havia um preparo físico adequado nem salários definidos. O treinador fazia de tudo, alguns até o papel de roupeiro. O jogador sofria enorme preconceito da sociedade. Muitas vezes com razão, pois prevalecia a boemia”, recorda Piazza, volante e capitão daquele Cruzeiro.
Zagueiro titular da Seleção Brasileira tricampeã do mundo em 1970, Piazza dividia as atividades de bancário com as de jogador de futebol até o início da competição que mudou a história do clube. “A Taça Brasil era a primeira competição interestadual do Cruzeiro, por isso íamos ter de treinar e viajar mais. O banco não tolerava tantas faltas ao trabalho e me demiti”, lembra. Então com 23 anos, temia o futuro. “À época, clube de futebol se mantinha com bilheteria e amistosos. O Cruzeiro ainda não arrecadava tanto.”
Daí a importância da construção do Mineirão e da conquista de 1966. Com capacidade acima de 100 mil pessoas, o gigante da Pampulha substituía o Independência, até então maior estádio de Minas, construído para a Copa de 1950, para até 25 mil pessoas. Com o título nacional e, principalmente, as duas vitórias sobre o Santos na decisão, a Raposa ganhou vaga na Copa Libertadores do ano seguinte e inúmeros convites para amistosos no Brasil e no exterior.
As decisões
Cruzeiro e Santos decidiram a Taça Brasil em duas partidas históricas. A primeira, em 30 de novembro, no Mineirão, chamou a atenção do mundo do futebol por uma inimaginável goleada. O time de garotos do Barro Preto, muitos recém-promovidos do juvenil (atual júnior), bateu o já mundialmente aclamado Peixe de Pelé por 6 a 2. O primeiro tempo terminou 5 a 0. Mas, na época, era comum o alvinegro virar placares desfavoráveis, com qualquer diferença. Já no começo da etapa final, ele esboçou uma reação, fazendo dois gols, mas Dirceu Lopes marcou seu terceiro na noite e definiu os 6 a 2.
O saldo de gols do primeiro jogo de nada valia. Bastava ao Santos vitória simples para provocar terceira partida. Ao entrarem no Pacaembu na noite de 7 de dezembro, os times se depararam com forte chuva, campo enlameado, poças d’água e cerca de 45 mil torcedores nas arquibancadas.
Tocando a bola como sempre e também explorando as jogadas aéreas, o Santos logo dominou as ações e abriu o placar aos 23min, quando Pelé driblou William e chutou no canto. Aos 25min, em passe do Rei, Toninho invadiu a área e deslocou Raul: 2 a 0. Àquela altura, todos, inclusive os jogadores cruzeirenses, sua torcida e a imprensa mineira, esperavam o troco da humilhante derrota do jogo anterior.
No intervalo, o presidente da Federação Paulista de Futebol, Mendonça Falcão, adentrou o vestiário cruzeirense para sugerir ao presidente do clube mineiro, Felício Brandi, o Maracanã como palco do terceiro e último jogo. Tudo na frente dos atletas.
A atitude do cartola paulista mexeu com os brios mineiros. Felício explodiu de raiva, afirmou que não haveria terceira partida e ainda cobrou a imediata resposta do seu time. O Cruzeiro votou a campo bombardeando a área santista, enquanto Piazza neutralizava Pelé, como no primeiro jogo.
Aos 12min, Hilton Oliveira serviu Evaldo, que acabou derrubado na área por Oberdan. O árbitro carioca Armando Marques marcou pênalti. Mas Tostão bateu mal e Cláudio defendeu. Inconformado, o camisa 8 se redimiu aos 18min com gol de falta praticamente sem ângulo. Ainda no abafa, o Cruzeiro empatou 10 minutos depois, com Dirceu Lopes. A igualdade já era suficiente, mas, aos 44min, Natal deu o golpe final e sacramentou o título da jovem equipe de Belo Horizonte.
A imprensa
Triunfo épico do futebol mineiro
"Conquistou ontem o Cruzeiro o maior troféu do futebol nacional, ao derrotar de maneira espetacular a famosa esquadra do Santos, detentora, por cinco anos consecutivos, da Taça Brasil, agora em poder do time mineiro, que acaba de sagrar-se como realmente o mais perfeito do País… Ao final do emocionante confronto, lá estava o marcador que consagrava definitivamente o onze montanhês como campeão brasileiro"
Estado de Minas, 08/12/1966
Fonte: http://www.mg.superesportes.com.br/
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