sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Literatura

"Jânio da Silva Quadros: crônica de uma renúncia anunciada"
por Nelson Valente*

A marca de Jânio sempre foi a surpresa. Irritado ou de bom-humor oferecia um bom ângulo para conseguir o efeito desejado: políticos e jornalistas passavam a especular sobre o gesto. Jânio não saía do noticiário. Era capaz de reações intempestivas e de grande ironia.

Tinha um repertório cênico e retórico de vocação populista, vocabulário rebuscado e tiradas imprevisíveis:
- O Prefeito Jânio Quadros, em 1987, dava entrevistas para os jornalistas sobre a sua administração ( sobre a polêmica dos homossexuais do Teatro Municipal ), quando uma jovem jornalista de um determinado jornal de primeira linha o interrompeu:
- Você é contra os homossexuais? Você vai exonerá-los?
O ex-presidente não gostou de ser tratado de “você” e deu o troco:
- Intimidade gera aborrecimentos e filhos. Com a Senhora não quero ter aborrecimentos e, muito menos filhos. Portanto, exijo que me respeite.

Já na década de 50, Jânio emprega o marketing político muito bem. Sua argúcia, seus dons oratórios, seu temperamento, sua apaixonada e persistente disposição a encarnar a autoridade impessoal da ordem pública – tudo isso será relembrado.

Jânio costumava aparecer em público com os sapatos trocados. Nos palanques das campanhas eleitorais levava uma vassoura, com a qual iria “varrer” a corrupção do País.

Esse símbolo o acompanhou durante toda a sua carreira política. Entre os discursos de campanha, comia sanduíches de mortadela e pão com banana, numa tentativa de identificar sua imagem com o eleitorado mais pobre. Jânio procurou sempre se diferenciar dos outros políticos. Vestia roupas surradas, usava cabelos compridos, deixava a barba por fazer, os ombros cheios de caspa e exibia caretas aos fotógrafos.

Sua sintaxe era um caso à parte. Em seus discursos procurou sempre utilizar um vocabulário apurado, recheado por frases de efeito. É um enigma saber como conseguia se comunicar de forma eficiente com seus eleitores, a maioria sem instrução escolar.

Segundo seus adversários, Jânio sempre demonstrou desprezo pelos partidos e pelo Poder Legislativo. Ao longo de sua carreira, trocou de legenda sucessivamente.

Essas demonstrações de força aumentaram sua popularidade junto a diversos segmentos do eleitorado. Jânio parecia diferente dos outros políticos.

Eleito pela Segunda vez prefeito de São Paulo, em 1985, seu primeiro ato ao tomar posse, em 1º de janeiro de 86, foi desinfetar a cadeira de seu gabinete. Alguns dias antes da eleição, seu adversário de campanha, Fernando Henrique Cardoso, candidato do PMDB, ocupou a cadeira para ser fotografado pela imprensa.
*Nelson Valente é Escritor e Historiador
Fonte: www.intermedialeditora.com.br

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