domingo, 6 de junho de 2010

Guarus-RJ

O cru e o cozido
Fernanda Huguenin*

A geografia de uma cidade pode determinar a maneira como seus habitantes se identificam e se relacionam. A urbanização, as edificações arquitetônicas e os recursos naturais definem o distanciamento ou a proximidade entre as diferentes classes sociais. No Rio de Janeiro, as montanhas dividem a Zona Norte da Zona Sul. Esta última é representada como a região mais nobre da capital, rica em infra-estrutura, em monumentos históricos e em paisagens extraordinárias onde os cariocas elite e classe média se tornam “bonitos, bacanas e dourados”, enquanto a outra é qualificada como o subúrbio, lugar onde os moradores enfrentam o problema do transporte, das enchentes e da violência ao som de funk e pagode. Só que esta divisão classificatória está errada. É uma fabricação identitária essencializada que reforça certos estigmas. Será que todos os moradores de “além túnel” são pobres? E quanto às favelas à beira-mar? Definitivamente, o geográfico fundamenta identidades e relações sociais, mas está longe de instituir o real, tornando-se apenas um grande referencial de preconceitos.

Aqui em Campos, o que reparte geograficamente a cidade é o Paraíba. É a partir dele que se define Guarus, esse lugar repleto de estigmas e visto por nós, moradores do outro lado, com a negatividade da ignorância. O primeiro indício dessa valoração é a referência generalizada que se faz da região. Enquanto aqui nos referimos aos bairros, separando com precisão cirúrgica a Pelinca de Nova Brasília, nosso olhar ultra-rio não separa o Jardim Carioca de Santa Rosa, misturando e denominando tudo como simplesmente Guarus. A outra impressão incorreta é imaginar que seus moradores são exclusivamente pobres, que possuem baixo grau de escolaridade e que seu gosto cultural é fundamentalmente popular, como se do lado de cá não existissem favelas, gente desinformada e bailes funk. Sobre a rotulação territorial, se fabrica uma distância social tão icônica quanto estereotipada.

Essa minha percepção surgiu numa mesa de bar. Sentada com amigas “de Guarus”, falava de um chocolate suíço que adoro e perguntei se numa loja de lá vendia dele. A resposta foi carregada pela representação essencializada que se faz da região: “você acha que o povo de Guarus compra chocolate suíço?”. A distinção de gosto, como nos revelou o sociólogo francês Pierre Bourdieu, é um instrumento de poder e dominação. O gosto faz com que os membros de uma mesma classe se identifiquem, devido à unidade (ou semelhança) de seus interesses. Simultaneamente, ele afasta os membros de outras classes, que não compartilham dos mesmos interesses. E esse gosto passa a ser visto como algo natural daquela classe, gerando diferenças intransponíveis. É o velho jargão do “gosto não se discute”. O gosto é visto como algo inato e não como a internalização de uma construção social.

Assim, as diferentes classes se identificam por seus gostos em comum e esses gostos passam a ser a marca de determinada classe. De modo geral, as classes altas são as detentoras da cultura legitimada, as médias aspiram possuir o gosto da classe alta (embora encontrem barreiras que as transformam em emergentes) e as classes baixas opõem-se ao gosto das altas. Essa oposição entre os gostos das classes alta e baixa é fruto de uma intenção clara de distinção entre elas. A dominação exercida pela classe alta através da distinção de gosto se faz pelo uso da violência simbólica, que desqualifica o popular não o reconhecendo esteticamente.

A questão que proponho aqui é: como essa diferenciação aplicada ao geográfico é vivida nas relações dos habitantes de uma cidade? Penso que determinadas distinções de gosto são pensadas em referência ao territorial. Imaginar que os moradores de Guarus não comprariam chocolate suíço apenas porque moram em Guarus é uma estigmatização que associa o estilo de vida popular ao território. Esse tipo de caracterização resulta na produção de categorias de acusação, permitindo que mesmo em proximidade territorial não se exclua a distância social. Mas é importante pensar também na contraparte disso: eu moro do lado direito do rio e adoro comer peixe frito no Mizinho.
*Fernanda Huguenin é Colunista do Jornal Folha da Manhã, de Campos dos Goytacazes-RJ.
Fonte: http://www.fmanha.com.br/
 
CONSIDERAÇÕES:
Eu tenho uma sugestão para o caso:
A criação da CIDADE DE GUARUS, isso mesmo, CIDADE/MUNICÍPIO, com Prefeito, Vereadores e toda infraestrutura de uma cidade. Falo isso com a autoridade de quem embora tenha nascido em Minas, nasci na zona rural de Palma, divisa com Miracema (RJ) e Pádua (RJ), teve na cidade de CAMPOS (somente Campos) a sua referência de cidade de porte, crescimento e progresso. Passei minha infãncia ouvindo Rádios CULTURA, CONTINENTAL E DIFUSORA. Minha primeira viagem mais longa foi de "TREM" no ramal que liga Recreio/Campos, com oito horas de duração. Li outro dia na seção de comentários uma frase que eu não ouvia desde garoto "Campista, nem fiado e nem à vista!". Sei que é apenas uma expressão, mas que me remeteu ao passado. Acompanho com interesse as notícias de Campos, penso que os Campistas que fazem sucesso em outras regiões, fazem pouca referência ao município, diferente dos nascidos aqui em Juiz de Fora. Lamento muito esse rodízio na Prefeitura, o número excessivo de assassinatos e de acidentes na BR 101. Lamentei o fechamento doi MONITOR CAMPISTA, jornal em que trabalhava um REPÓRTTER FOTOGRÁFICO, meu primo em 01º grau. Lamento também a falta de investimento maior com os recursos provenientes do Petróleo. Tenho primos, primas e amigos em Guarus, no Parque Lebret e sou simpatizante do Goytacaz.

Carlos Alberto Fernandes Ferreira
Juiz de Fora-MG

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei de ler essa matéria, muito interessante! Vim morar em Campos há 2 meses e quando estava procurando casa , achei em Guarus, aí não entendi nada!! O que é Guarus? bairro subdividido em bairros?? nunca vi isso1 não é considerada cidade! Então veio a dúvida e resolvi pesquisar,e ai com essa matéria pude entender melhor o que é Guarus, ou seja nada de Campos que fica dentro de Campos.

Abraços.
Maria José.