domingo, 24 de maio de 2009

Nos cárceres da ditadura militar brasileira

Frei Betto (Carlos Alberto Libânio Christo)* Eis um documento histórico, inédito, que esperou 36 anos paravir a público: trata-se do diário de prisão do frade dominicano Fernando de Brito, prisioneiro da ditadura militar brasileira, ao longo dos quatro anos (1969-1973) em que foi submetido a torturas eremovido para diferentes cadeias. Fernando, em companhia de outrosfrades dominicanos, vivenciou algo inusitado em se tratando de presospolíticos do Brasil: foi obrigado a conviver, durante quase dois anos,com presos comuns, em penitenciárias de São Paulo. Assim como o "Diário de Anne Frank" nos revela anatureza cruel do nazismo, Diário de Fernando retrata o verdadeirocaráter do regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Nãose conhece similar entre as obras publicadas sobre o período. Em papel de seda, em letras microscópicas, e sob risco depunição, Fernando anotava, dia a dia, o que via e vivia. Em seguida,desmontava uma caneta Bic opaca, cortava ao meio o canudinho da carga,ajustava ali o diário minuciosamente enrolado e remontava-a. No dia devisita, trocava a caneta portadora do diário com outra idêntica,levada por um dos frades do convento. O medo de ser flagrado pelos carcereiros e o risco permanente derevistas, fizeram com que Fernando muitas vezes se visse obrigado adestruir as memórias registradas em papel. No entanto, o que vivencioujamais se esvaneceu, e ultrapassou os muros das prisões. Frei Betto,seu companheiro de cárcere, resgatou as anotações, deu-lhes tratamentoliterário e as reuniu neste livro que se constitui num documento deinestimável valor histórico. Nos episódios relatados, a trajetória dos frades se mescla à depersonagens que são, hoje, figura de destaque na história brasileira,como Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Caio Prado Jr., Apolônio deCarvalho, Paulo Vannuchi, Franklin Martins e Dilma Rousseff, paracitar apenas alguns. Para quem se interessa em conhecer a verdadeira face do regimemilitar e o Brasil dos "anos de chumbo", Diário de Fernando é umtestemunho vivo, comovente, de uma de suas vítimas. Não se trata deinvestigação jornalística, nem resulta da pesquisa de historiador, massim de um sincero, emocionante e visceral relato de quem teve aousadia de registrar, dia a dia, as entranhas de um dos períodos maisdramáticos da história do Brasil. Está tudo ali: as torturas, os desaparecimentos, o sequestro dediplomatas, as guerrilhas urbana e rural, a greve de fome de quase 40dias, e também a convivência dos prisioneiros marcada por momentos deinusitada beleza: as festas de Natal, as noites de cantoria, asolidariedade inquebrantável entre eles. Diário de Fernando traduz a saga de uma geração que não sedobrou à ditadura e a qual o Brasil deve, hoje, a suaredemocratização. Eis uma obra que enaltece a dignidade humana, acapacidade de resistência frente à opressão e a vivencia da fé cristãcomo nas antigas catacumbas do Império Romano. Lançamentos: Em Belo Horizonte: 17 de junho, quarta, no auditório da CEMIG -Av. Barbacena 1.200. A partir de 19h30. Em São Paulo: 18 de junho, quinta, no SESC Vila Mariana - RuaPelotas, 141. A partir de 19h30. *Frei Betto (Carlos Alberto Libânio Christo) é Teólogo e Escritor. É vencedor de dois prêmios Jabuti e tem mais de 50 livros publicados no Brasil e no exterior. Este é o quinto livro do autor publicado pela Editora Rocco, que também editou "Batismo de sangue", "A mosca azul", "Calendáriodo poder" e "A arte de semear estrelas".

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