sexta-feira, 24 de outubro de 2008

América Latina

País tem grande concentração de analfabetos, mas é o que mais diploma universitários na América Latina Contraste poderia ser amenizado mediante uma cultura de doações da sociedade às instituções de ensino Custódio Pereira* São preocupantes os dados revelados pelo primeiro Mapa de Estudos Superiores na América Latina e no Caribe (Mesalc), produzido e divulgado recentemente pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). O estudo diagnostica a persistência de profundos contrastes e desigualdades. O Brasil é protagonista de alguns dos paradoxos constatados: registra a porcentagem mais elevada de analfabetos dentre todos os países da região, mas, em contrapartida, é o que mais diploma pessoas na universidade. Na pós-graduação, forma onze mil estudantes com grau de doutorado por ano. Na área abrangida pelo relatório, há cerca de nove mil centros de ensino superior, mas somente 13,8% das universidades têm sistema de avaliação capaz de garantir a qualidade do ensino ministrado. A tabulação dos resultados suscitou a preocupação de Ana Lúcia Gazzola, diretora do Instituto Internacional da Unesco para a Educação Superior na América Latina e no Caribe (Iesalc), responsável pela realização do estudo. Segundo ela, o sistema é muito desequilibrado no continente. O trabalho baseou-se em informações consistentes e numa área abrangente. Reuniu dados e estatísticas de 28 dos 33 países membros da Unesco na região. Dentre os seus diagnósticos, destacam-se os seguintes: a necessidade de aumento da capacidade de acesso à educação superior e da taxa de cobertura (relação entre as matrículas no ensino superior e a população entre 18 e 24 anos); melhoria da qualidade da educação superior; necessidade de ampliação dos sistemas de acreditação e avaliação do ensino universitário; aumento da produção científica e disseminação da produção em diversos países. Uma das conclusões que mais preocupam é que apenas 24% da população com idade para freqüentar o ensino superior está efetivamente matriculada. Na Ásia e Europa, o índice alcança, respectivamente, 68% e 87%. A diferença é muito grande e pode estabelecer desvantagens competitivas graves, considerando o significado do ensino superior para a soberania tecnológica e a capacidade de pesquisa e inovação das nações, em especial na América Latina e no Caribe, onde as universidades contribuem com 85% a 90% da produção do conhecimento. No Brasil, 89% das pesquisas são feitos nos cursos de pós-graduação. O restante fica a cargo do setor privado ou é absorvido pelo governo. Assim, é muito preocupante o dado revelado pelo relatório quanto a uma questão crucial para o desenvolvimento do ensino superior: o financiamento. Pois bem, a porcentagem do Produto Interno Bruto latino-americano aplicada na educação é insuficiente. O Brasil, por exemplo, desembolsa apenas 0,9% do PIB com pesquisa e inovação. Estatísticas da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que congrega os países mais ricos, mostram que, em relação à sua região, o Brasil está bem posicionado. No entanto, quando a comparação é feita com as nações signatárias desse organismo e até com outros emergentes, o desempenho nacional é fraco. Esse quadro torna premente o advento, no Brasil e em toda a América Latina e o Caribe, de uma cultura de doações de recursos às instituições de ensino, tanto por ex-alunos como pela sociedade em geral. Trata-se do engajamento mais amplo e efetivo da nação numa causa verdadeiramente condicionante de sua capacidade de resgatar a dívida social, manter o ritmo de crescimento econômico e ingressar no universo dos países do Primeiro Mundo. O inquestionável laboratório da história já demonstrou o quanto o apoio voluntário em escala às escolas, por parte de pessoas físicas e jurídicas, tem o poder de transformar uma nação. Dessa prática, não há dúvida, decorre o avançado patamar de qualidade e alta produção científica das universidades dos Estados Unidos. Tal modelo remonta ao século XVII. Essa predisposição cívica dos norte-americanos também foi reforçada e estimulada pelo profissionalismo na captação de recursos por parte das escolas. Ao longo dos 400 anos deste o advento desse processo, o país desenvolveu técnicas, publicou centenas de livros e artigos, constituiu a prestigiada, bem paga e reconhecida profissão de captador de recursos (fundraiser), promoveu treinamento e conferiu respeitabilidade a esse trabalho. Em 1963, foi constituída a AFP (Association of Fundrasing Professionals), que congrega esses profissionais e realiza congressos internacionais todos os anos. Outros países, em distintos estágios de avanço, desenvolvem programas do gênero, como o Canadá, Irlanda, Reino Unido e nações da Ásia. No Brasil, há apenas exemplos isolados, mas cujo sucesso evidencia a viabilidade de implantação de uma forte cultura de doação às universidades. É necessário disseminar o entendimento de que prover educação de qualidade em todos os níveis, fator cada vez mais condicionante ao desenvolvimento e ao crescimento sustentado da economia, é uma responsabilidade que a sociedade deve compartilhar com o Estado. A consolidação dessa avançada cultura de sustentabilidade da academia é a alternativa mais viável para, em curto prazo, se transformar efetivamente o ensino superior e ampliar seu acesso à população da América Latina e do Caribe, que carecem de novas políticas para o setor. Esse exercício de cidadania, voluntariado e responsabilidade social por parte de pessoas físicas e jurídicas é imprescindível para o enfrentamento com sucesso do desafio de transformar a educação superior em bem público e direito humano universal. * Custódio Pereira é diretor-geral das Faculdades Integradas Rio Branco.

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