PLÍNIO FRAGA*
O deputado federal Fernando Gabeira (PV) diz que aceitaria dialogar com o presidente Lula e o governo Sérgio Cabral em nome de seu projeto de recuperação do Rio. Admite que lhe falta experiência administrativa. "Essa crítica é procedente e deve ser considerada. Nunca administrei nada, mas tenho uma enorme curiosidade para aprender e estou aprendendo. Quando chegar lá, terei a visão de como trabalharam todos os prefeitos com que converso e quais são suas falhas e virtudes."
FOLHA - O sr. diz que não será candidato de oposição nem de situação e tem entre seus apoiadores ex-administradores muito criticados. Não é pertinente cobrar coerência do sr. com os discursos que faz no Congresso?
FERNANDO GABEIRA - A coerência vai ser cobrada e deve ser cobrada. Nossas relações políticas foram muito degradadas. Estamos tentando fazer no Rio uma alteração desse processo. Reforma política não através do Congresso, mas de um movimento político-cultural. Não são as pessoas que vão me cobrar coerência: eu me cobro a cada instante. Meu projeto é avançar onde o PT capitulou, nas relações políticas, sem fisiologismo.
FOLHA - Mas não é um discurso ambíguo este de não ser situação nem oposição?
GABEIRA - Considerando as condições do Rio, você só pode trabalhar num processo de recuperação da cidade em sintonia com os governos estadual e federal. Essa conjugação de políticas e recursos municipais, estaduais e federais é fundamental para dar eficácia, mas não significa que eu vá mudar minhas idéias. Significa que eu, como prefeito, vou buscar articular as três instâncias para buscar o máximo de eficácia.
FOLHA - O sr. aceitaria discutir o apoio de Lula e/ou Cabral?
GABEIRA - Eu aceitaria. Uma vez aceitas as condições que coloco [de dar um passo à frente nas relações políticas] de nós balizarmos o caminho de 2010. Nossa intenção, além de trabalhar pela recuperação do Rio, é balizar o caminho de 2010. A política chegou a um nível de degradação em que a própria democracia está ameaçada.
FOLHA - Ou seja, em nome desse projeto o sr. se permite dar uma espécie de anistia ao mensalão e a governos passados que tiveram a gestão questionada?
GABEIRA - Não sou a instância que concede ou não anistia. Sou a instância que tenta articular com todas as forças um processo de recuperação do Rio e um novo momento. Quem vai trabalhar a anistia ou não é a Polícia Federal, o Supremo, a procuradoria, a população. Uma coisa é condenar a corrupção, atacar a corrupção; outra é, num processo em que se busca um novo caminho, dizer: quem pecou não entra... Não é isso. Quem pecou vai ter de responder por seus pecados, mas, entrando, aceita as regras do jogo de uma reforma nas relações políticas.
O convite que faço é para esquecermos o século passado. As políticas necessárias para a recuperação da cidade são abrangentes, atravessam classes sociais, concepções partidárias e ideológicas. O confronto que vai haver é o de propostas de revitalizações da cidade diferentes. Se alguém me disser que tem uma proposta de crescimento e revitalização da cidade que não passe pela utilização maciça de capitais que a prefeitura não tem, até aceito. Mas não vejo no horizonte outro caminho
FOLHA - O sr. é um defensor do aborto, da discriminação das drogas, da legalização da prostituição, das minorias homossexuais. Teme que isso se volte contra o sr. na campanha?
GABEIRA - Se transformamos a campanha do Rio num debate sobre homofobia, drogas e prostituição, vamos perder o ponto central e é possível que um outro candidato ganhe as eleições. O ponto central é a recuperação do Rio e como resolvê-la. Posso até dedicar um tempo marginal para discutir essas questões, o que para mim é simples porque posso discuti-las até no piloto automático. Essas não são as principais questões.
Não se pode transformar a eleição no Rio numa disputa religiosa. Meu princípio é a liberdade de religião, fora daí não tenho o que me meter. Na questão da homofobia, ninguém mais do que a Prefeitura do Rio avançou nessa questão: já reconhece a união civil de pessoas do mesmo sexo, tem um programa pioneiro de integração de travestis e transexuais. Não vou fazer nada mais do que ele está fazendo.
A legalização da prostituição não estará a meu alcance. Até respeito a posição das pessoas que dizem que vão acabar com a prostituição. Dou um sursis para elas porque não dizem quando.
FOLHA - E as drogas?
GABEIRA - Tenho condições de formular uma política antidrogas, que não é a legalização porque não está no meu âmbito, que seja positiva para a cidade. Vamos parar de discutir drogas assim: sou contra ou sou a favor da legalização. É o mesmo caso do aborto. Vamos achar uma ponte entre as posições. As posições políticas não são feitas para afirmar superioridade moral sobre o outro e voltar para casa limpando as mãos.
FOLHA - Teme enfrentar a Igreja Católica por ser a favor do aborto?
GABEIRA - Será que vale a pena ficar discutindo se sou a favor ou contra o aborto? Não, vamos encontrar um ponto em comum. Os adolescentes precisam de informação. Interessa tanto a pessoa que é favorável como a que é contra a legalização do aborto que haja um processo de informação mais adequado. A Igreja Católica, no âmbito municipal, não vai avaliar um candidato pelas posições dele nesse caso.
FOLHA - O sr. tem um histórico eleitoral melhor na zona sul do que na zonas norte/oeste [menos abastadas], ao contrário do senador Crivella, que vai melhor na zonas norte/oeste do que na sul. Como vê esse confronto?
GABEIRA - Essa caracterização é muito simplificadora. As forças que me apóiam têm penetração também nesses setores. Sou um candidato da zona sul pronto para entrar nos morros, como fiz em 1986 [na candidatura ao governo do Estado]. Hoje,mudou um pouco a concepção do que se tem como zona norte e favela. Existem 5.000 lan houses no Rio, gente com acesso a internet. Essa divisão rígida da cidade entre ricos e pobres, interessa só a algumas pessoas. Podemos buscar uma visão unificadora para superar a idéia de uma cidade partida. Essa divisão rígida é conservadora porque quer tornar perene a divisão da cidade.
FOLHA - Segurança é um tema para o prefeito?
GABEIRA - É preciso reconhecer que a prefeitura tem responsabilidade e que esta é uma das tarefas principais do prefeito do Rio. O que pode fazer? Ela tem muita informação. Câmeras, relatos das regiões administrativas, dos guardas municipais. Se você criar um sistema de inteligência que processe todos esses dados e passe para a polícia, já é importante. Outra coisa são políticas sociais preventivas e pedagógicas. Pretendo também criar um centro de alto nível de assistência às vítimas da violência, com psicólogos, médicos, assistente social e gente documentando também. E mudar um pouco a guarda municipal, que foi criada no molde da PM. Ela vai ter cumprir um papel pedagógico na ordem urbana.
FOLHA - Numa discussão sobre contenção do crescimento das favelas, o sr. disse: "Quem está dentro não sai, quem está fora não entra". Pode explicar?
GABEIRA - É o princípio da gafieira quando está muito cheia. Quem está dentro do salão não sai, quem está fora não entra. Discutir com as comunidades e fixar os ecolimites. Vamos melhorar a situação aqui, mas vocês não vão deixar a favela crescer. Processo de reflorestamento do morro, usando mão-de-obra local, teria financiamento. Podemos melhorar os morros, impedir que eles cresçam e, com uma política de habitação popular.
FOLHA - O Rio tem trauma com gestões administrativas ruins, pelo menos desde quando, em 1988, o então prefeito Saturnino Braga decretou a falência da cidade. Sua falta de experiência administrativa não é problema?
GABEIRA - Essa crítica é procedente e deve ser considerada. Nunca administrei nada, mas tenho enorme curiosidade para aprender e estou aprendendo. Quando chegar lá, terei a visão de como trabalharam todos e quais suas falhas e virtudes.
*PLÍNIO FRAGA é Jornalista formado na UFJF e começou sua carreira trabalhando na Rádio Sociedade de Juiz de Fora.
Colaboração: Glauco Fassheber
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