O lamento de um dinossauro
por MÁRIO CHIMANOVITCH*
Como velho jornalista da velha escola, aquela que nos ensinava na
unha e nos cascudos de chefias que acatávamos sem chiar, gratos por
podermos conviver com nomes cujo simples som nos intimidava, observo que
em algum momento algo muito importante se rompeu e ninguém lhe deu a
menor importância.
Hoje, por todo lado, apregoa-se que só o novo é bom e todos disputam a honra de serem mais novos do que os demais.
Ser velho, nestes tempos estranhos, é ser um estorvo, ser inútil, um
dinossauro improvável, movimentando-se num universo de frágeis louças.
Eu sou um dinossauro e vivo trombando o grande rabo da minha longa
história contra as prateleiras deste mundo asséptico. Acho que estou
sobrando.
Muito se fala, nos discursos eleitoreiros, das bondades que cada
campanha sugere a seu candidato, para agradar a nós, os mais velhos.
Cada vez que vejo um almofadinha desses abraçando a senhorinha sofrida e
prometendo-lhe mundos e fundos, a ira me sobe à cabeça e por pouco não
arremesso a bengala que me ampara de encontro ao televisor.
Porque, no fundo, no fundo mesmo, o que todo mundo quer é tirar a
nós, os velhos, do caminho e dos cofres da previdência. Somos aquelas
criaturas que parecem servir, apenas, para confrontar cada jovem pimpão
com sua própria finitude e com o fato de que a única alternativa
disponível à morte, por enquanto, é mesmo sobreviver, como der. E é aqui
que a coisa complica.
Provavelmente nunca na história se desprezou tanto a experiência e a
memória dos mais velhos como nas últimas décadas. Se você, como eu, é um
jornalista "das antigas", vale menos que um PC 386, daqueles que um dia
pareceram uma enorme inovação e hoje não passam de lixo eletrônico
descartável e, como tal, ambientalmente incorreto.
Eu me sinto ambientalmente incorreto quando tento mostrar o muito que
a memória de duas guerras cobertas, alguns prêmios de imprensa e
reportagens memoráveis, inutilmente, me ensinou. Desempregado desde
2007, sobrevivendo de cada vez mais raros bicos, sinto que cheguei aos
meus limites. A autoestima se esfacela e posso entender porque tantos
não resistiram e acabaram sucumbindo ao álcool, às drogas ou, tanto
pior, à ideia da própria morte.
Tolo e romântico que sempre fui, imaginava que essa vivência toda,
mais tarde, me permitiria ajudar os mais novos a melhorarem o mundo
imperfeito que é o campo de colheita dos bons jornalistas. Ledo engano,
porém.
Tudo o que a história pode ensinar a um jovem, ao que parece, pode
ser encontrado nos meandros da nebulosa da internet. Com a vantagem de
que lá não haverá nenhum velho chato para dizer que noutros tempos, no
meu tempo, algo era assim ou assado por causa disto ou daquilo. A
informação brotará do tablet, cristalina, fria e desinfetada pelo
distanciamento tecnológico. O dedicado repórter, com o ímpeto de seus
jovens anos, vai poder navegar pelos escaninhos da memória que me resta,
sem precisar me aturar e a minha própria história.
Acho que vou ter de procurar emprego de empacotador de caixa de
supermercado. E se um dia algum candidato se aproximar de mim, entre um
pé de alface e uma caixa de ovos, agradecerei cada migalha que os
governos me oferecerem como dádiva. Ao menos assim, talvez, eu tenha
alguma utilidade.
*MÁRIO CHIMANOVITCH é jornalista, repórter investigativo, cobriu conflitos no Oriente Médio, na África e na Amazônia.
Fonte: www.diretodaredacao.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário