domingo, 3 de junho de 2012

Patrimônio histórico

Casarão salvo da ruína em Prados

Prédio de 1735 com mais de 20 cômodos, onde há 70 anos são produzidos artefatos de montaria, vai ser recuperado pela Prefeitura de Prados, no Campo das Vertentes, e transformado em museu

Prados-MG – Tempo de esperança e salvação para o casarão símbolo de uma atividade com mais de dois séculos (1735) no Campo das Vertentes. Depois de longa negociação com os proprietários e muita expectativa dos moradores, o sobrado da Selaria Estrela, no Centro Histórico, vai ser recuperado pela prefeitura. Ainda este mês, segundo o prefeito, Gustavo Gastão Cardoso (PT), terão início as obras emergenciais para garantir a integridade do imóvel, cuja estrutura demanda intervenção urgente. Na sequência, virá o projeto de restauração do mais imponente sobrado de Prados, que fica a 178 quilômetros de Belo Horizonte.

O contrato de comodato firmado com os proprietários, para um período de 20 anos, permitirá que a prefeitura ocupe o segundo andar do casarão, instalando ali as dependências da Secretaria Municipal de Turismo, Cultura, Esportes e Lazer e o futuro Museu do Couro. No andar de baixo, continuará funcionando a selaria. Enquanto durar a obra, moradores e o empreendimento vão mudar de endereço. A prefeitura dispõe de R$ 100 mil do Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural para os primeiros serviços.

Localizado na esquina da Rua Coronel José Manoel e Travessa José Marques da Costa, o imóvel foi erguido no século 18 para ser residência do padre José Maria Pamplona. Na fachada está indicado o ano 1892, referente a uma grande reforma. Na primeira fase da reforma, serão feitos escoramento, troca de madeiras, demolição de partes de alvenaria. O imóvel é tombado pelo município desde 2005.

O proprietário da selaria, José Geraldo da Costa, o Nhô Marques, de 81 anos, conta que está feliz com o trabalho a ser conduzido. A selaria ocupa o casarão desde 1942, começou pelas mãos dos meus pais que se iniciaram na atividade 12 anos antes.

Em 2005, a Selaria Estrela foi considerada referência cultural de Prados, e o tombamento municipal veio em 15 de abril daquele ano. A partir dessa medida, o município passou a receber o repasse do ICMS Cultural, mas o estado precário da edificação exigia mais investimentos. Sem sucesso, foi buscar verbas no Ministério do Turismo. Na sequência, houve dificuldades para contratação de empresas que recuperassem o prédio. Nesse período, a família proprietária concordou em fazer o comodato com a prefeitura e o restauro entrou no orçamento. Agora, o projeto vai começar a sair do papel, embora sem data de conclusão das obras.

Ponto de parada dos tropeiros
Um dos expoentes da Estrada Real, o Arraial dos Prados surgiu no início do século 18 – a cidade está comemorando 308 anos. Segundo estudos, foram os paulistas de Taubaté, da família Prado, os fundadores do povoado primitivo. Em 1704, Manoel e Félix Mendes do Prado começaram ali a exploração do ouro. Além de núcleo minerador, a localidade era ponto de parada de tropeiros e bandeirantes que se dirigiam a outras regiões. Essas paradas favoreceram o rápido crescimento da população. O povoado teve como primeiro templo uma capela de sapé dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Pouco depois, um dos fundadores, já dono de grande fortuna e aliado a outros habitantes ricos, contratou artistas para erguer um novo templo. As obras só foram concluídas 50 anos depois. A localidade de Prados pertenceu a São José del-Rei, atual Tiradentes, e em 1892 recebeu o título de cidade.Com o esgotamento das jazidas de ouro, o arraial partiu para uma nova alternativa econômica, com a implantação de pequenas indústrias de artefatos de couro.

Uma viagem ao tempo da bruaca e do balaio
Entrar na selaria é conhecer um casarão mineiro desses bem antigos e cheios de história. Como está hoje, o espaço, com mais de 20 cômodos, não inspira conforto e segurança, mas é preciso admitir que permite uma viagem pelo tempo.

A selaria vem de longa data em Prados, há mais de dois séculos e Nhô Marques começou a conhecer os segredos dessa arte ainda bem criança, aos sete anos. De tanto conversar com os parentes e conterrâneos mais velhos, descobriu que os tropeiros, os legendários negociantes que cruzaram terras, levavam muito mais do que alimentos, roupas e mobiliário no lombo dos burros. Dentro das bolsas de couro, chamadas bruacas, dos balaios e das arcas, iam também arreios de Minas para vender em outras regiões , como Goiás. Fez-se assim a tradição de bons seleiros.

Diz a sabedoria popular que a oportunidade é um cavalo arreado que só passa uma vez na vida. Quem consegue vê-lo e deixa de montá-lo corre o sério risco de ficar na poeira. Enxergando a ótima chance de agarrar a sorte e segurar as rédeas de um bom negócio, desde os tempos coloniais, muitos mineiros se tornaram seleiros em Prados, Conceição do Mato Dentro, na Região Central, e Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. Portanto, as histórias que Nhô Marques ouvia quando criança eram mais do reais e hoje ganham eco nas pesquisas sobre o tema.

De acordo com estudiosos, os tropeiros que cruzaram a capitania de Minas, desde o início do período de mineração, geraram muitos ofícios estrada afora. Como “a necessidade faz o sapo pular”, eles eram obrigados a fazer os consertos nos equipamentos, em caso de imprevistos, ou recorrer a algum artesão. O couro, nos tempos coloniais, era um dos materiais mais empregados e tinha todo tipo de serventia: além de garantir o conforto sobre os cavalos, era usado como estrado de camas, porta e para fazer roupas.

Em Prados, as atividades que têm o couro como matéria-prima se tornaram referência econômica do município, revelando, com seus produtos, o talento de muitos artesãos. Entre eles, José Marques da Costa (1899–1984), que soube recuperar um ofício do século 18 e repassá-lo, com a criação da Selaria Estrela, em 1930, para outras gerações.
Fonte: www.uai.com.br/

Nenhum comentário: