domingo, 3 de junho de 2012

A TESTEMUNHA NÚMERO 1

Motorista do ônibus que teria fechado o carro de JK fala pela primeira vez
Dossiê será enviado à Comissão da Verdade nos próximos dias

Josias Nunes de Oliveira é um personagem fundamental da história do Brasil, mas se pudesse apagaria para sempre da sua vida o dia 22 de agosto de 1976, data em que, por acidente, deixou de ser um anônimo motorista da Viação Cometa para se tornar protagonista de um mistério que ainda intriga o país após 35 anos: como morreu o ex-presidente Juscelino Kubitschek? A morte de JK entrou para a história oficial como um acidente automobilístico. O Chevrolet Opala dirigido pelo motorista do ex-presidente, Geraldo Ribeiro, teria sido fechado por um ônibus da Viação Cometa, perdido o controle, atravessado a pista – no quilômetro 165 da Rodovia Presidente Dutra, próximo a Resende (RJ) – e sido atingido por uma carreta Scania. Josias Nunes de Oliveira, de 68 anos, o motorista do ônibus, é a principal testemunha. Já foi indiciado como culpado e considerado inocente pela Justiça, mas carrega o peso de estar no lugar errado, na hora errada e ser a testemunha mais importante de um episódio com nuanças políticas que engendram uma grande conspiração.

Se aconteceu apenas um acidente ou se existiram fatores que provocaram a tragédia será uma pergunta que deverá ser respondida pela recém-criada Comissão da Verdade, escolhida a dedo pela presidente Dilma Rousseff para elucidar questões cabais, principalmente dos anos de chumbo, quando o Brasil foi governando por uma ditadura militar. A Comissão de Direitos Humanos da Seção Mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) finaliza um dossiê, que contabiliza quase mil páginas, e será entregue à Comissão da Verdade ainda neste mês pedindo a investigação da morte de JK. “O mais importante são os relatórios militares sobre o acidente, pois as perícias foram comandadas pelos militares, que também impediram o acesso ao local do acidente, aos veículos e aos corpos”, afirma o presidente da comissão da OAB-MG, Willian Santos. A entidade quer ter, com o apoio da Comissão da Verdade, acesso a esses documentos e elucidar definitivamente as circunstâncias da morte do ex-presidente nascido em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha.

Josias não fala com a imprensa desde a época do acidente. Considera-se uma vítima da história e de reportagens da época. Mas o Estado de Minas conseguiu convencê-lo a desabafar: “Se eu fosse fraco teria feito bobagem. É duro pagar sem dever”, suspira. Há alguns anos separou-se da esposa e vive em um asilo em Indaiatuba (SP). Divide o quarto com outro idoso. São duas camas, um banheiro e nada mais. Paga 70% da aposentadoria para viver na casa de repouso e com o restante do dinheiro ajuda a ex-mulher e tenta fazer uma poupança para sua paixão: ir à praia. “Não gosto de sinuca nem de farra. Gosto mesmo é de beira de mar”, diz Josias, que visitou o Recife há dois anos.

No dia do acidente, ele fazia – como sempre fez nos anos anteriores –, a rota da capital paulista até o Rio de Janeiro. A memória é precisa e Josias lembra o número do carro: “Ônibus 1348, com 33 passageiros”. Um Opala com capota de vime seguia, segundo ele, cerca de 30 a 40 metros à frente, quando o automóvel perdeu o controle na curva, atravessou a pista e foi atingido em cheio por uma carreta. “Não teve nenhuma explosão antes. Também se alguém atirou no motorista eu não vi, mas acredito que é muito difícil”, lembra Josias, descartando a hipótese de atentado. “Foi acidente. Acidente mesmo. O duro é que ele (JK) estava com a passagem de avião no bolso”, lembra.

O ex-presidente foi a São Paulo e tinha uma passagem comprada para voltar a Brasília e ir para fazenda onde morava, em Luziânia (GO). Recebeu um telefonema para uma reunião no Rio de Janeiro, convocou seu motorista Geraldo, que trabalhava com ele havia 36 anos, e seguiu viagem, dispensando o bilhete aéreo. Relutante, Josias evita relembrar os dias mais tensos de sua vida. Voltar ao passado é como despertar para um pesadelo, quando frequentava as manchetes dos jornais e chegou a ocupar a cadeira de réu por exatas 12 horas e 20 minutos, como recorda em detalhes.

Josias diz que a “ficha caiu” e ele percebeu quem estava no Opala quando abriu a pasta, estilo 007, com diversos documentos dentro. Havia também três livros, sendo um deles As musas se levantam (Editora Olímpica, 1976), de Joaquim F. de Almeida. Josias não se esquece da dedicatória: “Ao insigne ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira leia as páginas 33 e 34 que refletem sobre sua vida”. Quem assinava o texto era um estrangeiro, que Josias não recorda o nome. “Procurei em muitas livrarias. Até em Belo Horizonte tentei encontrar, em uma loja na Avenida Amazonas”, ressalta o motorista, que não teve sucesso na busca. “Eu já tinha visto muito acidente, cheguei a ver desastre na Rio–Bahia com mais de 20 pessoas mortas. À época não tinha essa coisa de Samu, resgate, ambulância. O pessoal pegava um pedaço do corpo e colocava no acostamento para os carros poderem passar”, recorda o motorista

História
Josias nasceu em Rancharia (SP), onde morou até os 16 anos no sítio em que os pais viviam, quando se mudou para Londrina (PR) e começou a trabalhar na Viação Garcia, como cobrador. Quando fez 18 anos, conseguiu a habilitação e logo depois passou a ser motorista, trabalhando na linha Londrina-Paranavaí. Nessa época, morava em um quarto alugado de uma casa de família. Ficou três anos no interior do Paraná, até se mudar para a capital paulista.

O primeiro emprego em São Paulo foi na Viação Baiana, dirigindo da capital paulista até Xique-Xique (BA), um trajeto de quase 2 mil quilômetros. Foram seis anos no mesmo percurso e no meio do caminho, na cidade de Rui Barbosa, conheceu a mulher. Tiveram três filhos, todos antes de 1976. O mais velho tem 41 anos, a do meio 37 e uma outra morreu aos 24, com pancreatite.
Depois do acidente permaneceu mais cinco anos como motorista da Viação Cometa e depois foi ser caminhoneiro, sempre como empregado. “Viajei o Brasil inteiro. Conheço 18 estados”, diz com orgulho. “O que gosto mesmo é de viajar. Ir para longe”, completa Josias. Seguiu como caminhoneiro até a aposentadoria, em 1996, aos 53 anos. Tem dois netos, um de 08 anos e outro de 04 meses.









3 comentários:

Carlos Ferreira disse...

Fatos que levantam suspeitas Falhas na perícia e no inquérito se somam ao clima político da época e reforçam tese de quem acredita que Juscelino tenha sido vítima de uma emboscada armada pelos militares no poder
“Precisaram matar, espezinhar, liquidar Juscelino, porque não conseguiram liquidar sua força, sua dignidade, sua coragem, seu carisma de grande líder”, disse dona Sarah Kubitschek (1909–1996) em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, em agosto de 1986, 10 anos depois da morte do marido. Dona Sarah morreu com essa certeza, mas sem conseguir provar. Quem persiste com o objetivo é o presidente da Casa Juscelino Kubitschek, em Diamantina, Serafim Melo Jardim, que teve depoimento tomado pela Comissão de Direitos Humanos da Seção Mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), na semana passada.

Para entender os motivos das dúvidas é essencial compreender o contexto histórico. À época do acidente a ditadura ensaiava dois caminhos, uma abertura – lenta, gradual e segura –, como aconteceu com a declaração da anistia, em 1979, ou uma possibilidade de endurecimento. Estava em pleno vigor a Operação Condor, um ação conjunta dos governos militares do chamado Cone Sul para minar a oposição aos regimes militares.

Um dos documentos que despertam suspeitas é uma carta do coronel chileno Manuel Contreras enviada ao general de divisão João Baptista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), em 1975. A carta discorria sobre a possibilidade de vitória do democrata Jimmy Carter nos Estados Unidos, o que influenciaria a “estabilidade no Cone Sul”. O general chileno citava que JK e o ex-ministro do Exterior do governo do chileno Salvador Allende, Orlando Letelier, poderiam receber apoio. No ano seguinte, os dois morreram. A morte de Letelier foi atribuída à Dina, o serviço secreto liderado por Contreras, que explodiu o carro do ex-ministro em Washington, capital dos EUA. JK morreu um mês antes, quando buscava restabelecer a democracia no Brasil.
Quatro meses depois, em dezembro, morreu o também ex-presidente João Goulart, de ataque cardíaco. Mais cinco meses se passaram e o ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda também morreu, de infarto e desidratação aguda por febre. Os três formavam a Frente Ampla, grupo de oposição ao regime militar. Criada em 1967, a frente durou oficialmente até o ano seguinte, quando Lacerda foi cassado. JK foi cassado antes, em 1964, quando exercia o cargo de senador por Goiás . Goulart foi o último presidente antes de os militares tomarem o poder e também cassado em abril de 1964. Há quatro anos, a família de Goulart entrou com ação na Procuradoria Geral da República pedindo a investigação sobre um possível complô para matar o ex-presidente por envenenamento.

Em 2001, a Câmara dos Deputados criou uma comissão externa para tentar esclarecer a morte de JK. A conclusão foi: “Não há qualquer laudo, qualquer estudo técnico que possa comprovar a tese de assassinato. O argumento é, na verdade, emocional”. Entretanto, o relatório destaca também: “Juscelino incomodava e ameaçava o poder dos ditadores. É verdade, sim, que o povo ansiava pela volta de Juscelino ao cenário político. Do mesmo modo, os fatos indicam que havia um complô para que Juscelino retornasse ao poder. Aquele acidente antecipou o desejo de muitos”.
Fonte: www.uai.com.br

Carlos Ferreira disse...

Um choque que ninguém viu
Diversas falhas são apontadas na perícia e no inquérito. Apenas nove dos 33 passageiros do ônibus da Cometa foram ouvidos pela Justiça e nenhum afirmou que houve choque do ônibus com o Opala. “A verdade é uma só: ninguém teve conhecimento do abalroamento do Opala pelo ônibus, nem mesmo o guarda rodoviário que compareceu ao local e que foi notificado da ocorrência pelo motorista do coletivo. Ninguém percebeu a ocorrência do fato questionado. Ninguém o comentou. E tal coisa seria impossível se tivesse ocorrido aquele choque”, escreveu o juiz de Resende (RJ), Gilson Vitral Vitorino, em 18 de agosto de 1977. Além disso, o motorista da Cometa, Josias Nunes de Oliveira, parou no local para prestar socorro e alguns quilômetros à frente voltou a parar, dessa vez em um posto da Polícia Rodoviária, para informar do acidente.

Outro ponto apontado na sentença é que não houve preservação do local. A pista não foi interditada e os peritos chegaram horas depois do acidente. A sentença também ressalta que “por ordens superiores” não foram anexadas ao laudo fotografias com o posicionamento dos cadávares. O auto de exame cadavérico deveria responder quatro questões: se houve morte, qual a causa da morte, qual o instrumento ou meio que produziu a morte e, por último, se ela foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura ou por outro meio insidioso ou cruel. Somente a última não foi respondida.

Foram designados dois peritos criminais: Haroldo Ferraz e Nelson Ribeiro de Moura. No dia seguinte ao acidente, Haroldo foi substituído pelo perito Sérgio de Souza Leite. Em 1995, 19 anos depois, Sérgio foi demitido do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, depois de nove denúncias do Ministério Público contra os laudos produzidos por ele, sendo que oito processos tiveram que ser arquivados por falta de provas.
Fonte: www.uai.com.br

Carlos Ferreira disse...

Tinta, outro carro e um suposto tiro
Uma das principais provas que levaram à acusação de Josias foi um vestígio de tinta encontrado na lataria do ônibus da Cometa. O presidente da casa JK, em Diamantina, e que à época do acidente era secretário particular de Juscelino, destaca que o laudo da análise das tintas foi feito por uma empresa privada, a Termomecânica São Paulo S.A, e não pelos peritos da Secretaria de Segurança Pública, como era usual. Josias, o motorista da Cometa, também explicou que a tinta encontrada pela perícia era recorrente em todos os ônibus que circulavam no terminal rodoviário de São Paulo, devido a esbarrões em peças semelhantes a manilhas, presentes na entrada da rodoviária.

Serafim não se conforma com o fato de o juiz não ter ouvido todos os passageiros. À época surgiram versões de que um outro veículo, um Chevrolet Caravan, teria fechado o Opala e provocado o acidente. Chegou a ser levantada a suspeita de que do veículo teria saído um tiro e teria acertado o motorista de JK, Geraldo Ribeiro. Quando Serafim foi chefe de gabinete do então governador Eduardo Azeredo (PSDB), em 1996, conseguiu a reabertura do processo, poucos meses antes de vencer o prazo legal – de 20 anos – de prescrição.

O corpo de Geraldo, enterrado no Cemitério da Saudade, em Belo Horizonte, foi exumado. O laudo número 12.311/96 aponta a presença de um “pequeno fragmento metálico de forma cilindro-cônica, medindo sete milímetros de comprimento e diâmetro médio de dois milímetros” no crânio do motorista. O objeto foi analisado e o laudo da Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais concluiu que o metal era o “fragmento de prego enferrujado e corroído”, que se desprendeu do caixão. Serafim, entretanto, não descarta a possibilidade de ser um fragmento de uma bala. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Seção Mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Willian Santos, afirma ter informações de que o metal pode ser de um projétil de arma de uso exclusivo do Exército.
Fonte: www.uai.com.br