Glamour e decadência da boêmia Lagoinha
Desbravada por italianos, área suburbana da Região Noroeste registra, há mais de 100 anos, momentos marcantes e distintos na vida de BH, preserva símbolos e clama por revitalização
Os imigrantes italianos foram os primeiros a chegar – e, na sequência, vieram gente do interior do estado e ex-escravos de fazendas mineiras. Enquanto trabalhavam na construção da nova capital, e mesmo depois de vê-la inaugurada em 12 de dezembro de 1897, as famílias foram se estabelecendo no Bairro Lagoinha, Região Noroeste da capital. No início da ocupação, dois rios, hoje canalizados, se encontravam nessa área e formavam uma lagoa, vindo daí o nome que fez história e se tornou lenda na cidade, principalmente entre as décadas de 1930 e 1960, quando a zona boêmia se instalou e deu o que falar. Anos depois, o complexo de viadutos mudou a paisagem, casarões perderam o viço e a violência sentou praça, mas o local, resistente, guardou símbolos que ajudam a recompor a memória e a compreender melhor as nuances do tempo.
Agora, toda a trajetória da Lagoinha está sendo recuperada por estudantes do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), sob coordenação da professora, doutora em história da educação, Ana Cristina Pereira Lage. O ponto de partida para o projeto está no nascimento da instituição de ensino, cujas portas foram abertas em março de 1964, num prédio da Avenida Antônio Carlos. Para ampliar o raio de ação, foram incluídos na pesquisa, além da Lagoinha, os bairros Bonfim e São Cristóvão e a Pedreira Prado Lopes.
Momentos
A Lagoinha é o mais emblemático e antigo dos bairros "pericentrais" de Belo Horizonte – aqueles que surgiram fora da Avenida do Contorno, na então área suburbana da cidade, conforme o projeto da comissão construtora chefiada pelo engenheiro Aarão Reis (1833-1936). Em mais de 100 anos, a região atravessou três momentos bem distintos e marcantes: familiar, zona boêmia e comercial. "Os pioneiros não podiam arcar com o preço das moradias no perímetro da Contorno, como faziam os funcionários públicos, então a solução foi viver do outro lado do Ribeirão Arrudas", diz a coordenadora do projeto. Os estudantes já verificaram que os primeiros tempos não foram nada fáceis. Para se ter uma ideia, o sistema de abastecimento de água só entrou em operação em 1910, um contrassenso para uma região de nome tão simbólico.
Na década de 1930, mudanças na paisagem. A região se tornou palco da zona boêmia, atraindo prostíbulos, bares, bebedeiras sem fim, porres homéricos – vem dessa época o nome do famoso "copo lagoinha" –, cantores com seus violões e muito folclore que atravessou o século. Conta-se que até a década de 1960, quando vigoraram as leis muito próprias do desejo, as meninas de sociedade nem podiam passar pela região, então marcada pela vida airada. Na Praça Vaz de Melo, por exemplo, gente de família só circulava à luz do dia, pois, à noite, imperava a perdição (uma palavra bem retrô!). Mas, no fim das contas, esse caldeirão de comportamentos acabou fomentando a cultura da cidade e deixando um turbilhão de casos e lembranças.
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