domingo, 4 de setembro de 2011

CADÊ A MALHA PAULISTA?

por Rogério Centofanti*

Como a economia do Brasil cresce a custa da exportação de commodities (principalmente grãos de cereais e de minérios), transporte ferroviário e aquaviário são as coqueluches do momento.
Personagens que no passado promoveram o desmonte da ferrovia e da marinha mercante brasileira, somam-se aos que nunca se pronunciaram sobre essa história, e todos se tornaram, agora, parceiros na defesa dos trens, barcos e navios.

Que bom, não fosse um detalhe: na febre atual por trilhos e embarcações, pensam exclusivamente em cargas.

Descobriram, finalmente, que um Comboio Duplo Tietê (embarcação pluvial composta por um rebocador e quatro chatas) transporta 6.000 t, ocupando o espaço de apenas 150 metros de comprimento. Descobriram que o Duplo Tietê equivale a 2,9 Comboios Hopper (um trem de 86 vagões de 70 t), mas que ocupa espaço de 1,7 quilômetros de comprimento. Descobriram também que o Duplo Tietê equivale, no modal rodoviário, a 172 Bi-Trem Graneleiras, de 35 t, ocupando espaço de 3,5 quilômetros (se mantidos 26 quilômetros em movimento).

Tudo em favor do transporte fluvial, não fosse o caso, no Estado de São Paulo, da existência de poucos rios e com poucos trechos navegáveis. Com restrições ao amplo emprego desse modal, pontos para as ferrovias.

Não é sem razão, portanto, que o Ministério dos Transportes entende que “dar prioridade aos investimentos em transportes ferroviário e hidroviário produz benefícios econômicos resultantes de menores custos de operação e frete por tku (tonelada, kilômetro, útil) dessas modalidades, em relação ao transporte rodoviário”.  O ministério descobriu que desses investimentos “resulta também em menor emissão de gazes poluentes na atmosfera, oferecendo melhor qualidade ambiental no ar e menor impacto no aquecimento global”.

É com essa mentalidade que o PAC1 destina aos transportes, entre 2007 e 2010, R$ 80 bilhões, e, no PAC2, entre 2011 e 2014, mais R$ 105 bilhões. Ótimo!

A saber, agora, onde o ministério deseja aplicar esse montante. Vejamos: na expansão da malha ferroviáriapela “estruturação de moderno sistema ferroviário integrado, e de alta capacidade, conectando áreas de produção agrícola e mineral aos principais portos e às zonas de processamento e consumo interno, com perspectivas de atendimento também da movimentação de contêineres"; no aumento de capacidade da malha atual pelo "equacionamento de trechos que apresentam restrição de capacidade em face da demanda de transporte, com duplicação de linhas, construção de variantes e melhorias de traçado e de conexão com os portos. Eliminação de pontos de conflito associados a travessias de zonas urbanas, com equacionamento de passagens de nível e implementação de contornos ferroviários".

Ótimo, mais uma vez, mas permanece a questão original: tudo isso está orientado para o transporte ferroviário de cargas. Para o transporte de pessoas sobre trilhos, o  projeto fala apenas em TAV (trem de alta velocidade, trem-bala), ligando Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e São Paulo, com conexão em Campinas (SP).

No caso do Estado de São Paulo, esse projeto merece uma atenção especial, pelos seguintes motivos: 1) São Paulo já "teve" uma extensa malha ferroviária, com importantes troncos e inúmeros ramais, por onde circulavam trens de carga e de passageiros; 2) depois da privatização, os troncos principais ficaram restritos ao transporte de carga, fazendo de São Paulo um mero corredor de exportação para os produtores de commodities, sem nenhum benefício para os municípios paulistas; 3) os inúmeros ramais foram simplesmente abandonados, roubando dos municípios a oportunidade de desfrute da ferrovia para a movimentação local ou regional de produtos (riquezas materiais) e de pessoas (riquezas humanas).

Para São Paulo, portanto, interessa a revitalização da malha paulista original - e não apenas para o transporte de commodities -, mas principalmente para movimentação de produtos e de pessoas no âmbito regional e estadual. Recuperar ramais desativados (abandonados) e duplicar linhas nos troncos, é apontar para o resgate da ferrovia paulista, por onde possam circular trens de carga também de pequena e média capacidade, assim como trens de passageiros e trens turísticos.

O projeto do ministério prevê um ferroanel paulistano (ao exemplo do rodoanel), mas todo ele orientado para a carga, visando apenas retirar o movimento dos cargueiros dos trechos operados por trens metropolitanos. Não prevê, entretanto, a construção de um ferroanel metropolitano no entorno da Macrometróple da capital, solução sustentável para a caótica situação do transporte, trânsito e poluição da cidade.
No interior paulista, a proposta de "eliminação de pontos de conflito associados a travessias de zonas urbanas, com equacionamento de passagens de nível e implementação de contornos ferroviários" irá, na prática, significar a erradicação dos trilhos nos perímetros urbanos, quando poderiam ser perfeitamente bem aproveitados para o transporte interno de pessoas, por intermédio, por exemplo, de VLTs. Se faz necessária, igualmente, a restauração e manutenção de toda a memória da ferrovia paulista (estações, etc), pois representa um patrimônio imaterial de imenso valor cultural e histórico.

Em resumo: antes de qualquer benefício do projeto do ministério, interessa aos paulistas o resgate de sua malha original, para que os trens possam estar novamente a serviço das economias e das sociedades locais.
*Rogério Centofanti é Feroviarista

Um comentário:

Luiz Carlos Martins Pinheiro disse...

Amigo Carlos Ferreira

É sem dúvida uma grandre esperança que voltemos à velha política que prestigiava a hidrovia onde possivel e a ferrovia, sempre que possível, onde a hirovia era impossível. Nossa primeira ferrovia a E. F. de Petrópolis, foi nosso primeiro empreendimento privado hiro-ferroviário integrado, graças ao gênio do Barão de Mauá.

A primeira conceção ferroviária no Brasil foi integrando o porto de Santos a um porto no Tietê, passando por São Paulo.

Contudo, precisamos nos complenetar que o mais prioritário não deve ser esta ou aquela hidrovia e ou ferrovia, mas sim um Plano Nacional de Viação, com base em estudos téncicos e econômicos que definam o que fazer, como, quando e com que meios, para então se definir os projetos de Engenharia Final a serem licitados.

Em termos de ferrovia ficar agregando novas linhas a esta rede arcaica, desatualizada não só tecnologicamente, mas pricipalmente economicamente, mediante apenas decisões políticas sem lastro se quer em projetos de Engenharia Final, dificilmente nos levará a um futuro muito promissor.

Abraços, saúde e Paz de Cristo.
Luiz Carlos/Mpmemória.