sexta-feira, 8 de abril de 2011

Eu não vou me desumanizar

"Temos o direito de ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza."
(Boaventura Sousa Santos, 1999)
 
Jorge Alberto*

Mais uma tragédia choca a sociedade brasileira e ganha repercussão internacional. Um homem de 23 anos entra em uma escola municipal em Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro e dispara contra dezenas estudantes, matando mais de dez.

Nessas horas, por conta da comoção social, saem do armário pensamentos e discursos dos mais conservadores possíveis. O principal deles é o que sataniza individualmente o autor das barbaridades (nesse caso o atirador), colocando em xeque a defesa dos Direitos Humanos para “gente como essa”, no imaginário popular um monstro. E de fato existe uma racionalidade nesse pensamento.

Vivemos em um mundo onde tudo tem um preço, independente de seu valor. Vendem-se sonhos, compra-se satisfação e pagamos “à perder de vista”. Coisas valem mais do que pessoas, e por isso a luta é para se tornar consumidor e não cidadão. Se o hospital público não funciona pensamos logo (com ajuda dos publicitários e meios de comunicação em geral) em fazer um plano de saúde. Se a rua está violenta, compramos (ou desejamos comprar) objetos como alarmes, câmeras, carros blindados que nos proteja nessa “selva de pedra”. O problema nessa solução é que ela é individual, e por mais que amenize particularmente nossas angústias, não interferem em nada no degringolar do conjunto da sociedade.

Além disso, vivemos de forma legitimada, em uma cultura de violência. Não falo da realidade externa ou distante, mas me refiro a mãe que prefere conter uma “mal criação” com uma palmada. Falo dos pais que repreendem grosseiramente a criança que diz (repete) um palavrão, sem sequer lhe explicar o que significa. A mesma criança que vai ver o desenho de um super herói que vive de matar violentamente vilões e que ganha arminhas e espadas para brincar (se imaginando na mesma situação). Me reporto ao fato de, mesmo com todo conhecimento acumulado, vivermos atualmente sob um regime ainda primitivo, onde preconceitos de todas as espécies (sexismo, racismo, homofobia, xenofobia...) são praticados e reinventados a cada dia (concreta e simbolicamente).

Juntando o individualismo, com a mercantilização da vida e ainda com essa cultura de violência que faz parte de todos nós, o que poderia sair? Um, ou vários monstros. Monstros que roubam, seqüestram, estupram, destroem vidas inocentes ou a sua própria em momentos de tensão. Não estou dizendo que somos todos iguais em monstruosidade, estou apenas observando que bebemos de uma mesma fonte e se somos estimulados a pensar, produzir e inventar violência, alguns se destacarão.

Então, em momentos como o que vivemos nos resta fazer uma escolha: criminalizar individualmente o assassino dessas crianças, reforçando o coro do “vai pagar pelo que fez”, ou podemos utilizar nossa capacidade intelectual para investigar as reais variantes envolvidas nesse caso. Confesso que a primeira alternativa é mais confortável, ficamos tristes por um tempo, ficamos preocupados por um tempo (afinal pode voltar a acontecer conosco inclusive) e terminamos aliviados também (afinal não foi com a gente e agora o bandido já morreu). Mas, garanto que o segundo caminho, por mais trabalhoso que possa se apresentar, nos dá uma melhor dimensão do fato e provoca inclusive reflexões efetivas sobre as formas em que podemos nos inserir e contribuir para novas perspectivas.

Há uma disputa em curso. Grupos conservadores certamente se utilizarão desse fato para justificar suas posições pró-violência, desde a maior repressão da força policial até medidas como a própria pena de morte. Dizem que defendem a mudança, mas representam “mais do mesmo”, pois isso não é nada diferente do que temos visto em todo o último período. Nosso desafio é maior do que produzir a paz a todo custo, nosso real desafio é nos convencer, com argumentos vigorosos de que a paz vale à pena enquanto atitude.

Quando gritarem conosco, vamos sorrir de volta. Quando nos insultarem gravemente, façamos elogios. Quando tentarem nos agredir, vamos olhar nos olhos e perguntar o porquê daquilo. Se fizer a nossa parte a gente pode não resolver os problemas do mundo, mas sabe que se bobear até podemos.

*Jorge Alberto é estudante de Jornalismo.
Fonte: http://www.jorgealbertorj.blogspot.com/

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