quarta-feira, 13 de abril de 2011

Deus S.A - trambiques e achaques no dial brasileiro

por Alvaro Bufarah*
Quero iniciar meu artigo dessa semana com uma explicação importante: não sou contra nenhuma religião. Sou a favor do Estado laico e da livre escolha de uma crença. Portanto não falo a favor ou contra alguém ou ideologia. Isso posto, vamos aos fatos.

Para explicar o tema de meu artigo proponho uma seqüência de cenas cotidianas. Começamos pela gentil senhora que acorda bem cedo e coloca o copo d`água diante do seu receptor para que junto com o apresentador faça a sua oração. Em seguida o líquido é bebido como um elixir milagroso. Logo vem o pedido de doações para obras assistenciais.

Em outra situação, um jovem comerciante sai pela manhã e ao buscar uma rádio noticiosa ouve um grito: "O Senhor irá te salvar, irmão". Quase sai do carro com o cinto de segurança afivelado. Após o susto percebe que era apenas mais uma emissora "pirata" transmitindo o culto de uma religião recém-criada.

Terceiro e último exemplo: em outra emissora a sucessão de programas místicos beira a esquizofrenia. Um após o outro. São exotéricos, pais de santo, ciganos, videntes, etc. Todos dão suas consultas ao vivo para ouvintes com perguntas óbvias.

Mas o que estes três casos têm em comum? Simples, todos utilizam a religião como fio condutor para venderem produtos e serviços. Uns mais sutis outros de forma escancarada... Outro dia, em uma emissora clandestina ouvi a suposta religiosa pedindo doações aos fiéis, mas informava que em função da igreja ser nova, ainda não tinha conta bancária. Porém, como Deus precisa da ajuda dos ouvintes para operar seus milagres, ela gentilmente estava cedendo sua conta pessoal para receber os donativos.

Muitas igrejas se transformaram em impérios de mídia, onde o rádio é apenas uma ferramenta de comunicação em meio a um gigantesco holding. Há jornais, sites, gravadoras, emissoras de rádio, web rádios e web TV, podcast e até programas veiculados em horário nobre em grandes canais nacionais resultado de esquemas de aluguel em emissoras de TV.

No caso de nossa prima rica, a situação é mais assustadora. Em um domingo pela manhã zapeando os canais, assisti a uma cena inusitada. O bispo de uma religião de grande visibilidade no país estava pessoalmente liderando o culto. Ele e seus pupilos haviam feito uma seção mística para espantar as más influencias das pessoas que estavam no templo. Não é que pelo menos meia dúzia de fiéis incorporou entidades malignas? Até aí parece normal. O pior é o religioso, ao vivo, em rede nacional, decidiu entrevistar um demônio. É isso mesmo! Havia uma fila de uns quatro ou cinco. Todos com as mãos para trás, rostos retorcidos e vozes graves, quase pigarreadas. Fiquei perplexo. Do ponto de vista jornalístico era um furo. Pelo que sei ninguém tinha ainda conseguido uma entrevista com o diabo.

Ironias à parte, o problema está no uso de uma concessão pública de um canal de TV ou rádio para a transmissão de cultos que fatalmente tendem a levar os fiéis a darem dízimos mensais a estas verdadeiras empresas.

Um professor do meu irmão na faculdade de Direito dizia que ter uma igreja é um dos melhores negócios do mundo. Você vende um produto que nunca irá entregar e ainda recebe adiantado. Sim, pois o que fundamentalmente está sendo oferecido é a sua salvação. Como ninguém retornou do "além" para reclamar, o processo continua. Vale a máxima popular: pequenas igrejas, grandes negócios.

O que questiono é o caráter desses messias midiáticos, com seus cultos que dão inveja a qualquer pop star. O ideal seria retirarmos do ar todas as programações religiosas em todo o país, especialmente as que pedem ajuda financeira. Mas quem vai ter coragem suficiente para enfrentar estes estelionatários místicos que convencem pessoas a doarem parte de seus salários às obras de DEUS?

Lembrando que parte dos parlamentares brasileiros só foi eleita com votos destes fiéis. Também gostaria de uma fiscalização mais minuciosa nos caixas dessas igrejas. Sob o pretexto de que o dinheiro é doação de fiéis fica fácil tornar uma "neo-igreja" em uma lavanderia de verbas escusas. Pergunto: e a Receita Federal ou o Ministério Público, topam entrar nessa caixa preta?

Outro fator agravante para a situação é que parte dos empresários de rádio está retirando do ar emissoras com tradição para alugar o dial para entidades religiosas. Financeiramente é ótimo: não há problemas trabalhistas, não tem de se preocupar com a programação, nem ter uma equipe técnica de plantão. É só esperar o valor do arrendamento cair na conta. Diga-se de passagem, que dependendo da cidade, do tipo de emissora (AM ou FM) e da religião o proprietário da rádio pode levar uma bolada para casa sem esforço.

O pior é que ninguém reclama. Os profissionais já se acostumaram a ser escravos do sistema. Os empresários não querem perder o bom negócio. Os políticos não querem perder votos.

As igrejas não querem perder fiéis. Mas quem vai falar em nome dessa gente simples que acredita que DEUS está no dial? Em tempos de globalização e internet, sugiro que estas religiões fiquem restritas as páginas da web e aos seus templos na busca por financiamento.
*Alvaro Bufarah é Jornalista
Fonte: http://www.radioagencia.com.br/

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