segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Viaduto das Almas

Caderno especial conta os 53 anos de mortes e medo no Viaduto das Almas
 O jornal Estado de Minas publica nesta segunda-feira, 01/02, um caderno especial de 12 páginas sobre o macabro Viaduto Vila Rica, mais conhecido como Viaduto das Almas, no km 592 da BR-040, em Itabirito, na Região Central de Minas. A edição circula no dia em que o temido elevado, um dos trechos mais perigosos das rodovias brasileiras, completa 53 anos. Foi inaugurado em 01/02/1957. A data não é para ser comemorada: na ponte morreram pelo menos 75 pessoas desde 01º de fevereiro de 1957, quando foi inaugurada com o rótulo de obra mais charmosa da então BR-3. Por outro lado, usuários do Vila Rica prometem vibrar com outra data: a da aposentadoria do elevado. O Departamento Nacional de Infraestruturas de Transportes (Dnit) prevê substitui-lo no fim de fevereiro. A estatística de mortes no local pode ser bem maior, pois o poder público não tem o balanço oficial de acidentes ocorridos no viaduto desde sua inauguração – os 75 óbitos são baseados em coberturas do EM. Para a Associação Brasileira dos Caminhoneiros, o total de mortos chega a pelo menos 200 pessoas. Não é difícil entender o porquê de tantas vidas ceifadas. Basta analisar as dramáticas dimensões do Vila Rica: 262 metros de extensão por apenas 09 de largura. Mas sua principal característica negativa é o contorno: o elevado foi erguido em curva a 30 metros do solo. O caderno mostra que o viaduto deveria ter sido retirado de cena há bastante tempo, mas a ineficiência do poder público em aposentá-lo destruiu os sonhos de muitas famílias. A primeira morte no local, em julho de 1958, deixou dona Maria da Paixão viúva. Seu marido, José, morreu no dia em que completava oito anos de casamento. A caminhonete que ele dirigia foi empurrada para fora da ponte por um caminhão que não parou para prestar socorro. José morreu minutos depois de saber que a mulher estava grávida.

Repórter revela detalhes da reportagem sobre o Viaduto Vila Rica
Paulo Henrique Lobato*
Sempre tive pavor de atravessar o Viaduto das Almas. Desde pequeno, ouvi histórias macabras de um elevado cuja primeira certidão de nascimento também é macabra – ele foi inaugurado como Viaduto das Almas em razão do córrego homônimo que passa por baixo da ponte. Na década de 1970, quando dezenas de vidas já haviam sido ceifadas no local, o governo decidiu rebatizá-lo de Vila Rica. A troca de nome não cessou a matança no km 592 da BR-040, entre Itabirito e Congonhas, onde dezenas de sonhos foram interrompidos. O caderno especial se propôs a contar a história da macabra ponte e os sonhos das vítimas tragadas por ela. primeiro passo foi consultar o arquivo do Estado de Minas, pois a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) não têm a estatística completa de acidentes no local. Por isso, eu, quatro funcionários do arquivo – Carla, Irene, Eduardo e Rafael – e a Raquel, estagiária da editoria de Gerais, consultamos todas as edições do jornal desde 1º de fevereiro de 1957, quando o viaduto foi inaugurado. O próximo passo foi descobrir o endereço de sobreviventes e de parentes das vítimas. A maioria mora em cidades rasgadas pela BR-040. Percorri 2,2 mil quilômetros em quatro meses de investigação. Por diversas vezes, me emocionei com os relatos dos personagens que ilustram este caderno. Não só eu: também os repórteres fotográficos que me acompanharam – Beto Novaes, Beto Magalhães, Cristina Horta, Marcos Michelin, Paulo Filgueiras, Renato Weil, Jair Amaral e Euller Júnior. Fiquei sem reação ao ver filhos chorarem a lembrança de pais assassinados no Vila Rica. Mas fiquei muito mais sem reação ao ver pais chorarem a lembrança de filhos que não sobreviveram aos acidentes. Em Juiz de Fora, na Zona da Mata, seu Maurício Vicente Segrégio, de 62 anos, chorou como criança ao me contar que, desde janeiro de 2004, quando seu filho morreu num acidente na ponte, nunca mais entrou no quarto de Júnior. Lembrei-me de meus filhos: Pedro e Maria Paula, que nasceram no fim de novembro. Em BH, fiquei arrepiado com a história que dona Maria da Paixão me relatou em seu apartamento, no Bairro Prado. Ela é viúva de seu José Alves, a primeira vítima do elevado. O fazendeiro morreu em 20 de julho de 1958, quando o casal completava oito anos de feliz união. Como presente, ela havia informado ao marido que estava grávida de um mês. Dona Maria se recordou das palavras de José: “Vai ser uma mulher, se chamará Maria de Lourdes e terá olhos azuis”. Horas depois, ele saiu de casa para encontrar a morte no viaduto. Oito meses depois do acidente, a criança nasceu e, coincidência ou não, se chama Maria de Lourdes e tem os mesmos olhos azuis imaginados pelo pai. A viúva ficou com a voz engasgada ao me dizer que ainda amava muito seu José. Nesta entrevista, pensei em minha esposa, Isabella Souto, com quem também convivo há oito anos. Contei a tragédia de Maria e José a seu Alcebíades Rodrigues Souto, que mora em Ouro Branco. Ele sobreviveu à queda do ônibus da Adtur, em 1994, no desastre que matou 14 pessoas. Alcebíades ouviu a história de Maria e José com atenção para, em seguida, me relatar a sua: “Pressenti, no dia anterior ao acidente, que o coletivo cairia do viaduto. Assim que o ônibus entrou no Vila Rica, levantei-me e olhei para frente. Vi o caminhão nos empurrar para fora da ponte”. O pavor que sempre tive do Vila Rica aumentava a cada entrevista. Perdi a conta de quantas vezes o atravessei para entrevistar os personagens deste caderno especial, mas uma coisa tenho certeza: passei pela ponte, todas as vezes, de olhos fechados e orando para Deus para chegar vivo do outro lado.
*Paulo Henrique Lobato é Jornalista
Fonte: www.uai.com.br

2 comentários:

Unknown disse...

Sou do RJ e estou morando em Laranjal MG há 10 meses, aqui conheci uma pessoa maravilhosa chamada Elisabeth, eu a tenho como mãe. Ela perdeu um filho ainda jovem em um acidente de moto, aqui mesmo, e no mês de outubro um outro filho de 39 anos, caminhoneiro, sofreu um acidente nesse mesmo viaduto. Faz 4 meses que ele praticamente vive em hospitais de BH, BA e agora vai para SP fazer uma reconstrução da traquéia e esôfago. Ele tem sofrido mt, não está andando, nao se alimenta sozinho, tem que fazer fisioterapia e nao viu o nascimento do filho caçula, que deve ter 2 meses, tem tbm uma filha de 2 anos. Umas das várias situações que me comoveu foi saber que seus companheiros de estradas(caminhoneiros) estão ajudando o quanto podem. Ele já foi falar com DEUS e voltou umas 20 vezes, mas a vontade de viver é maior. Infelizmente desativar, ou seria melhor, implodir esse tinviaduto não deve dar voto, aliás, NUNCA um filho um deputado ou sei lá o que na política passará de carro por lá, é claro, ele vai de avião, jatinho ou helicóptero com o nosso dinheiro que é colocado em suas cuecas, meias, malas e o tiver em sua imaginação.

Unknown disse...

As obras do governo federal não sofrem a devida manutenção. É como se não houvesse necessidade e as edificações fossem eternas e vida própria, se cuidando e se protegendo do desgaste natural.
Se esse viaduto tivesse passado por reformas importantes e necessárias, de adequação a realidade do volume de tráfego, muitas mortes seriam evitadas.
Infelizmente uma obra tão importante e bonita naquela época, ficou fadada ao descaso e a apelidos pejorativos, se transformando em lugar de medo, apreensão, susto, pavor e histórias horríveis.
muitas mortes seriam evitadas.