terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Quem deve cuidar do Planeta?

Leonardo Boff Teólogo Um teólogo famoso, no seu melhor livro – Introdução ao Cristianismo – ampliou a conhecida metáfora do fim do mundo formulada pelo dinamarquês Sören Kirkegaard, já referida nesta coluna. Ele reconta assim a história: num circo ambulante, um pouco fora da vila, instalou-se grave incêndio. O diretor chamou o palhaço que estava pronto para entrar em cena que fosse até à vila para pedir socorro. Foi incontinenti. Gritava pela praça central e pelas ruas, conclamando o povo para que viesse ajudar a apagar o incêndio. Todos achavam graça pois pensavam que era um truque de propaganda para atrair o público. Quanto mais gritava, mais riam todos. O palhaço pôs-se a chorar e então todos riam mais ainda. Ocorre que o fogo se espalhou pelo campo, atingiu a vila e ela e o circo queimaram totalmente. Esse teólogo era Joseph Ratzinger. Ele hoje é Papa e não produz mais teologia mas doutrinas oficiais. Sua metáfora, no entanto, se aplica bem à atual situação da humanidade que tem os olhos voltados para o pais de Kirkegaard e sua capital Copenhague. Os 192 representantes dos povos devem decidir as formas de controlar o fogo ameaçador. Mas a consciência do risco não está à altura da ameaça do incêndio generalizado. O calor crescente se faz sentir e a grande maioria continua indiferente, como nos tempos de Noé que é o “palhaço” bíblico alertando para o dilúvio iminente. Todos se divertiam, comiam e bebiam, como se nada pudesse acontecer. E então veio a catástrofe. Mas há uma diferença entre Noé e nós. Ele construiu uma arca que salvou a muitos. Nós não estamos dispostos a construir arca nenhuma que salve a nós e a natureza. Isso só é possível se diminuirmos consideravelmente as substâncias que alimentam o aquecimento. Se este ultrapassar dois a três graus Celsius poderá devastar toda a natureza e, eventualmente, eliminar milhões de pessoas. O consenso é difícil e as metas de emissão, insuficientes. Preferimos nos enganar cobrindo o corpo da Mãe Terra com band-aids na ilusão de que estamos tratando de suas feridas. Há um agravante: não há uma governança global para atuar de forma global. Predominam os estados-nações com seus projetos particulares sem pensarem no todo. Absurdamente dividimos esse todo de forma arbitrária, por continentes, regiões, culturas e etnias. Sabemos hoje que estas diferenciações não possuem base nenhuma. A pesquisa científica deixou claro que todos temos uma origem comum pois que todos viemos da África. Consequentemente, todos somos coproprietários da única Casa Comum e somos corresponsáveis pela sua saúde. A Terra pertence a todos. Nós a pedimos emprestado das gerações futuras e nos foi entregue em confiança para que cuidássemos dela. Se olharmos o que estamos fazendo, devemos reconhecer que a estamos traindo. Amamos mais o lucro que a vida, estamos mais empenhados em salvar o sistema econômico-financeiro que a humanidade e a Terra. Aos humanos como um todo se aplicam as palavras de Einstein: “somente há dois infinitos: o universo e a estupidez; e não estou seguro do primeiro”. Sim, vivemos numa cultura da estupidez e da insensatez. Não é estúpido e insano que 500 milhões sejam responsáveis por 50% de todas as emissões de gases de efeito estufa e que 3,4 bilhões respondam apenas por 7% e sendo as principais vitimas inocentes? É importante dizer que o aquecimento mais que uma crise configura uma irreversibilidade. A Terra já se aqueceu. Apenas nos resta diminuir seus níveis, adaptarmo-nos à nova situação e mitigar seus efeitos perversos para que não sejam catastróficos. Temos que torcer para que em Copenhague entre 7 e 18 de dezembro não prevaleça a estupidez mas o cuidado pelo nosso destino comum. Leonardo Boff é autor de Opção-Terra. A solução para a Terra não cai do céu, Record 2009.

Um comentário:

BLOGZOOM disse...

Carlos, que texto bom! Bem, a figura do palhaço gritando socorro, as pessoas poderiam realmente pensar se tratar de brincadeira ou chamada para visita ao Circo. Foi uma tremenda fatalidade.

Amigo, se familiares são incapazes de nos estender as mãos, o que podemos esperar do resto da humanidade?!
Existem pessoas maravilhosas e é uma tremenda sorte encontrá-las.

Bjs