domingo, 28 de junho de 2009
O Jornalista e o diploma
As linhas tortas do diploma de jornalismo
Cristina Charão*
O Supremo Tribunal Federal decidiu que o exercício profissional do jornalismo não é mais exclusividade dos diplomados nos cursos de Comunicação Social – Jornalismo. E agora? Agora é preciso que se coloque a decisão e seus efeitos nos seus devidos lugares.
A tese que sustenta a decisão do Supremo, de que a regulamentação da profissão de jornalista tal como estava colidia com o conceito de liberdade de expressão e com os tratados internacionais a este respeito, é lógica. Deixemos por um instante de pensar no cenário das grandes redações de poderosos grupos de mídia e visualizemos a seguinte situação: na fictícia cidade de Cacimbinhas de Cima da Serra, a associação de moradores se dá conta que a localidade não conta com nenhum veículo de comunicação que produza noticiário de acordo com as reais necessidades da população local. Assim sendo, promovem uma quermesse, reúnem o dinheiro necessário e passam a produzir um jornal, folha A4, frente e verso. Mas não há entre os associados ou em toda a cidade nenhum jornalista diplomado. A letra fria da lei que regulamentava a profissão de jornalista diria que todos os três moradores de Cacimbinhas de Cima da Serra que semanalmente escrevem para o jornal estariam exercendo ilegalmente a profissão e a associação de moradores seria multada por isso. Multa esta que, para ser paga, exigiria gastar os últimos recursos da quermesse e, assim, adeus à Folha de Cacimbinhas.
Avestruz-bacharel
Pena é saber que não foi necessariamente esta a situação imaginada pelos ministros do STF quando proclamaram seus votos a favor da não-obrigatoriedade. A pressão dos grupos de mídia nacionais, cujo jornalismo é a grande máquina de produção da dita "opinião pública", foi fundamental para a derrubada da regulamentação da profissão de jornalista. O velho ditado do escrever certo por linhas tortas se aplica à questão e impõe a tarefa de percorrer estas vias tortuosas se quisermos que a história que segue tenha como pauta o direito à comunicação.
Representantes da Associação Nacional de Jornais desfiaram argumentos a favor da liberdade de expressão quase nos fazendo acreditar que, agora sim, dona Maria terá sua opinião sobre as cotas nas universidades publicada na Folha de S.Paulo e seu Zé poderá se postar na portaria da Rede Globo com um cartaz "Filma eu, William Bonner" e, pronto, estará no Jornal Nacional.
É preciso, portanto, que fique claro: a decisão do STF não muda a lógica com que os grandes grupos produzem seu jornalismo. Poderão, talvez, mudar algumas peças nas redações. Poderão economizar, num futuro próximo, com a contratação mais precária de funcionários, caso o sindicalismo insista na tática do avestruz-bacharel, enfiando a cabeça em uma pilha de diplomas, e não enfrente – finalmente! – o desafio de criar uma nova regulamentação profissional que proteja os trabalhadores e não a máquina da burocracia universitário-sindical.
Pauta cheia
A decisão do STF só surtirá efeitos democratizantes se for acompanhada de dois tipos de medidas. É preciso qualificar os cursos de Comunicação para que sejam capazes de dar uma perspectiva mais crítica ao exercício do jornalismo, seja pela sua produção acadêmica, seja pela formação de quadros profissionais que se imponham nas redações pela sua capacidade diferenciada. E é preciso, especialmente, medidas que imponham uma nova lógica ao sistema de comunicações e permitam às Folhas de Cacimbinhas, agora livres do impeditivo legalista do regulamento profissional, existirem de fato.
A certeza arrogante de que estas medidas jamais serão tomadas é que faz com que os empresários da comunicação defendam a decisão, afinal, democratizante do STF.
Fatos que justifiquem a arrogância do empresariado não faltam. Para ficar apenas nos exemplos do Poder Judiciário, o próprio STF ainda não julgou a Ação de Inconstitucionalidade contra o decreto que criou o Sistema Brasileiro de TV Digital, questionado especialmente por dar – sem observar os trâmites constitucionais – mais espaço para transmissão de sinais aos atuais concessionários, diminuindo também a possibilidade da entrada de novos atores no cenário da TV brasileira. Tampouco a Justiça tem sido célere em julgar casos de violações dos direitos humanos por diferentes mídias ou aqueles que questionam diretamente a concentração da propriedade de veículos de comunicação, como o processo contra o Grupo RBS em Santa Catarina.
O trabalho dos que defendem a não-obrigatoriedade do diploma específico para o exercício profissional do jornalismo sem a hipocrisia dos empresários começa agora.
*Cristina Charão é Jornalista, editora licenciada do Observatório do Direito à Comunicação e integrante do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social
Fonte: www.observatoriodaimprensa.com.br
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