quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Oscar Niemeyer

Renata Cristina*
Arquiteto recebe diretoria da ACC em seu escritório, no Rio de Janeiro
A Associação Cavaleiros da Cultura (ACC) tem a honra de homenagear mais um de seus incentivadores. Na última sexta (06), o arquiteto Oscar Niemeyer recebeu o título de sócio-benemérito da ACC, em reconhecimento ao seu apoio na Cavalgada do Centenário, realizada em 2007.
Em entrevista ao site, o ícone da arquitetura mundial fala um pouco sobre a sua rotina, a paixão pela política, o amor pela vida e se revela mais do que um profissional inventivo e qualificado. É um grande pensador que, aos 101 anos, ainda se preocupa com as causas sociais e luta por um mundo melhor.
Niemeyer demonstrou interesse pelo novo projeto da ACC, a cavalgada Niterói-BH-Brasília, e fez diversas perguntas sobre o trajeto, planejamento e arrecadação de livros. A meta dos cavaleiros é distribuir mais de 12 mil exemplares em escolas públicas e bibliotecas do país a partir de Julho deste ano. “Acho ótimo uma viagem dessas, distribuindo livros. Qualquer movimento assim, como vocês estão fazendo, é útil, está difundindo a leitura, a maneira de ver a vida. Acho que qualquer leitura serve. Você vai lendo, vai se interessando, vai seguindo o caminho que se sente melhor. É o principal”, destacou o arquiteto.
Confira a entrevista: ACC – Como é sua rotina?
Eu entro aqui (escritório) às 10h, trabalho, recebo os amigos. De manhã tem quase sempre entrevista. Então, eu atendo todo mundo com muita atenção, como deve ser. De tarde, a coisa fica mais leve, a gente bate um papo, conversa, é a vida, normal.
ACC – De onde o sr. retira tanta energia para fazer tudo isso? É o interesse pelo trabalho, pela arquitetura, pela revista (Nosso Caminho). Me interesso por outras coisas também, me interesso pela política, me interesso por ajudar os mais jovens, assim como vocês estão ajudando, distribuindo livros, eu também tenho essa revista, por exemplo, em que a arquitetura é um pretexto. A revista quer levar aos mais jovens uma série de informações. Em geral, o estudante brasileiro entra na escola superior e só pensa na profissão, ele quer ser um vencedor, mas você tem que se formar, saber sobre a política, tem que ler A nossa revista tem artigo sobre tudo. Nós achamos que a vida é mais importante do que a arquitetura. O importante é criar um clima de mais igualdade, mais responsabilidade, é um querer ajudar o outro. A minha vida é essa. Trabalho muito não sei por que, por curso da vida, mas tenho trabalhos no exterior, na França, Itália, em diversos países eu tenho trabalho. Então o trabalho me ocupa muito, mas eu gosto de ver o pessoal, bater papo, estou todo dia aqui com o Carlos Oscar, que me ajuda muito e é muito interessado pelas coisas que vocês estão fazendo de cavalgada. Acho ótimo uma viagem dessas, distribuindo livros. Na revista mesmo, que não tem nada a ver com isso, já colocamos lá duas páginas da cavalgada. A gente só pode ver como uma coisa: a gente está se divertindo, mas ajudando também.
ACC – Hoje, é o trabalho que dá prazer ao sr.?
É lógico. O estudante brasileiro não lê, é difícil dele ser interessado pela leitura. Logo que ele sai da escola, ele sai um especialista, só sabe assunto da profissão, isso é uma merda. Então tem que se informar, tem que saber que a vida está correndo, tem os americanos que estão envolvidos com o Brasil para saber se defender, tem a miséria, tem a pobreza, isso tudo é mais importante que a arquitetura. De modo que quem pensa assim, só pode ver com interesse o que vocês estão fazendo, divulgando a cultura. É muito bom.
ACC – Sei que o sr. se interessa muito por filosofia e astronomia. Atualmente, o sr. ainda conversa com os professores sobre esses assuntos?
Há cinco anos, toda terça-feira vem um cientista aqui (escritório) conversar com a gente. Primeiro, a filosofia. Agora, é sobre o cosmos. É tão bom a gente saber que somos tão pequeninos diante desse universo fantástico. A ciência traz a verdade, elimina uma série de fantasias, mas como a gente fica pequenino quando começa a se informar. Estamos fora da escala do universo. Então, o meu objetivo é tentar levar as pessoas a compreender o quanto as coisas são importantes. O homem é um fudido, sem perspectiva, então vamos tratar de fazer o melhor, de olhar para o outro sem procurar defeito, ao contrário, ajudar. Todo mundo tem defeitos e qualidades. Qualquer iniciativa como a de vocês, de criar um ambiente de solidariedade, distribuir livros, eu acho tão bom.
ACC – O sr. acha que isso pode diminuir a pobreza do homem? Pode ajudar pelo menos, não é? Você recebe um livro, as escolas estão tão poucas, tão mal servidas. É isso. Quando é um sujeito normal, ele pode achar interessante talvez. Interessante e necessário.
ACC – Como o Brasil pode hoje sair de uma situação de desenvolvimento para chegar a uma situação ideal? Poucas vezes nós estamos no Brasil com possibilidade de ter um pouco de otimismo. O Lula é presidente, é operário, é do povo, ele reagiu ao capitalismo, de modo que estamos caminhando muito bem. É lógico que a briga é difícil, com essa crise fantástica que está crescendo e a gente não sabe aonde vai parar. Mas a gente está numa batalha, numa trincheira para fazer um mundo melhor.
ACC – O sr. acha que o presidente dos EUA, Barack Obama, pode solucionar parte dos problemas no mundo? Ah, eu espero. Só de ele ter sido eleito foi bom para o povo americano. Nunca nós pensamos que nos Estados Unidos, de repente, fosse eleito um negro De modo que é importante abrir essa coisa racial, heterogênea, é tudo igual. Meu nome é Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares. Ribeiro e Soares são nomes portugueses. Niemeyer é alemão, Almeida é árabe, de modo que eu sou mestiço. Esse negócio de cor não existe.
ACC – E a esquerda no Brasil e no mundo como fica? Bom, a pobreza é a maioria, um dia ela vai se impor, isso aí é inevitável. Cada vez que a vida fica pior, há mais revolta, mais luta política. O sujeito está desempregado, está disposto a tudo, precisa levar comida para casa. Nos Estados Unidos vão perder o emprego e aqui também vão perder. A crise é geral, mas acho que aqui no Brasil vai ser menor. Um amigo meu que esteve na Europa disse que lá ta difícil, muita gente na rua sem trabalho. Qualquer movimento assim, como vocês estão fazendo é útil, está difundindo a leitura, a maneira de ver a vida, o sujeito não fica aí como um babaca que não lê um livro.
ACC – Qual é a obra que o sr. indicaria para toda pessoa ler? Acho que qualquer leitura serve. Você vai lendo, vai se interessando, vai seguindo o caminho que se sente melhor, é o principal.
ACC – Vamos falar um pouco de arquitetura. Como o sr. se sentiu quando projetou a Pampulha, seu primeiro trabalho? Fiz a igreja, o JK (Juscelino Kubitschek) adorou, e fez muito sucesso. A Pampulha foi o início, eu me lembro quando acabou e o JK veio aqui e me falou: “Olha, Oscar, acabamos Pampulha, agora fazer a nova capital”. E aí começou.
ACC – E Brasília? Quando o sr. avistou o terreno em que ia ser construída a capital, o sr. pensou, sentiu? Começou com nós ali naquele deserto, a trabalhar, a colher dados. Depois o Lúcio fez o plano. O negócio era "fazer" e a gente ia lá pra o fim do mundo trabalhar. Não era fácil. Morava lá, numa casa de operário, numa área abandonada, não tinha nada. Mas foi um período bom de trabalho.
ACC – E as obras? Aquele contato com os operários, como foi isso? Eu sempre conto que quando levei meu pessoal para Brasília, não levei só operário não. Levei um médico que não sabia nada de medicina, mas era engraçado, uma figura ótima. Levei mais umas duas pessoas diferentes porque o ideal era a gente descansar de arquitetura e conversar um pouco. Tinha sala de livros que a gente ia lá de noite tomar um drink, tinha sala de dança e até cachorro na pista, coisa assim de faroeste.
ACC – Como era sua relação com Juscelino antes e depois de Brasília? Cordial, interessado pelo pessoal do trabalho, uma pessoa muito boa, de sentimento.
ACC - Quando o astronauta Yuri Gagari visitou Brasília, declarou que tinha a impressão de estar desembarcando em um planeta diferente. Era esse o impacto que o sr. queria causar? Não. Era uma cidade que estava começando, como qualquer outra. Os astronautas quando vêem o planeta Terra dizem que é azul, não é? A gente logo pensa que nós estamos em cima de um espaço vazio, tudo andando, a Terra também andando. Outro dia eu conversando com o professor, ele explicou que a Terra roda porque em tempos muito antigos um corpo celeste bateu e ela rodou, de modo que a história sobre o cosmo é tão interessante.
ACC – Se o sr. pudesse deixar apenas uma de suas obras eterna, qual escolheria? Todas foram feitas com muito empenho.Gosto do meu trabalho e isso é bom. No resto eu me interesso por isso, pela vida, por fazer um mundo mais justo.
*Renata Cristina é Jornalista
Renata Cristina, mineira de Juiz de Fora, é Jornalista formada pela UFJF, foi estagiária na Organização Panorama de Comunicação (Tv, Rádio, Jornal e Portal). Fez estágio na Inglatera e foi funcionário do Jornal Panorama. Renata, dona de um dos mais belos textos, é filha do Servidor Público Federal Benedito José da Silva Neto.

Um comentário:

Unknown disse...

Ferreiraaaaaaaa, vc é louco! Menino, obrigada por publicar a entrevista aqui! Vi hoje quando entrei no seu blog! Beijos, querido!