por Miriam Leitão*
(O Globo)
Nos quartéis, o desejo é que o presidente Lula conclua o seu mandato no tempo regulamentar e que a crise ensine como melhorar a democracia. Oficiais superiores acham que qualquer saída — mesmo constitucional — que signifique rupturas afetaria a imagem do Brasil como país estabilizado e institucionalmente maduro. O que eles mais temem é uma evolução igual àquela prometida pelo ex-ministro José Dirceu: a convocação dos movimentos sociais para as ruas.
Vinte anos depois do fim da ditadura, os militares não fazem exatamente um mea-culpa sobre o que aconteceu no período 64-85, mas garantem que tudo mudou completamente. Tanto que decidiram nem fazer reunião de alto comando para discutir a crise. Acham que seriam mal interpretados. Os comandantes dizem que têm profundos valores democráticos e total controle das tropas. Não acham que o cenário mais provável da evolução da crise seja o de conflitos sociais. Mas lembram que uma de suas missões constitucionais é o que eles definem com a sigla GLO, Garantia da Lei e da Ordem.
Houve um tempo em que a interpretação dos militares brasileiros sobre Lei e Ordem era rasgar as leis e ferir a ordem. Hoje em dia, eles demonstram com convicção terem aprendido o que não podem fazer. Acompanham com atenção os índices de popularidade das Forças Armadas, que vem aumentando ano após ano desde 94. Numa pesquisa feita em maio, registrou-se que 75% dos brasileiros confiam nas Forças Armadas, e só 20% não confiam.
A insatisfação salarial continua, mas já foi mais aguda. Hoje eles acham que o governo fez o que pôde, por enquanto. Garantem que o movimento das mulheres que esteve nas ruas pedindo aumento não é representativo.
Sobre economia, acham que o país precisaria crescer mais rapidamente e investir mais em infra-estrutura e logística. Mas temem a inflação. Portanto, até olham com interesse idéias desenvolvimentistas, desde que isso não signifique a volta da inflação.
Numa atitude um pouco diferente da que já tiveram até no passado recente, os militares acreditam que precisam justificar o dinheiro gasto pelos cidadãos para mantê-los. Por isso querem mostrar à opinião pública que têm hoje múltiplas tarefas no país e não se furtam à convocação da sociedade.
— Hoje ela quer de nós que também atuemos na garantia da segurança urbana. Claro que não podemos nos transformar em polícia; nossa missão não é essa. Mas não podemos ignorar o que a sociedade nos pede. Por isso, nos preparamos para ações localizadas, emergenciais, colaboração com outras forças, utilização de inteligência para enfrentar momentos de tensão — disse um oficial superior.
No ano passado, o Exército participou de 13 operações urbanas e neste ano, até agora, cinco. São ações como a de Belo Horizonte onde, com a polícia em greve, houve uma série de tumultos na rua. Outra ocorreu em Vitória. Já participaram de ações no Rio de Janeiro. Preparam-se já para garantir a segurança dos Jogos Pan-Americanos, com muito mais efetivos do que na época da Rio-92. Estão há três meses no Pará e acham que está na hora de passar o bastão para a Polícia Federal. Foram para lá depois da morte da freira Dorothy Stang, quando havia ameaça de morte contra outros religiosos.
O Exército decidiu ter uma unidade especializada em operações urbanas de garantia de segurança interna. Acham que o treinamento tem que ser totalmente outro, o armamento diferente, porque eles estarão atuando no meio da população civil e, por isso, treinam em Campinas (SP). Foi instalada na cidade uma Brigada com sete mil homens que tem o objetivo de se especializar em ações urbanas: tomar favelas do narcotráfico, conter rebeliões e distúrbios civis. É a 11 Brigada de Infantaria Leve- Garantia da Lei e da Ordem, BIL-GLO.
Mas estão convencidos de que não é com repressão que se vencerá a violência urbana, mas com combate à lavagem de dinheiro, ao tráfico de drogas e de armas nas fronteiras. Aumentar a presença nas fronteiras brasileiras é uma velha reivindicação. Não é inimigo externo, invasão de país estrangeiro o que temem. Acham que ajudam a combater crimes, como o desmatamento. Quando há denúncia ou informações de satélite de desmatamento, o Ibama atua com apoio logístico, transporte, alimentação, garantia de segurança, das Forças Armadas.
— No meio da selva, não há um botequim na esquina, temos que levar tudo que eles possam precisar — conta um oficial.
A preocupação deles hoje é passar para a opinião pública a dimensão das suas múltiplas tarefas no país em todas as áreas, inclusive na formação pessoal de 100 mil jovens brasileiros, em geral pobres, a cada ano. Um milhão se alistam, só 10% podem servir e eles garantem que os jovens passam por importante processo de educação e preparação para a vida.
As Forças Armadas estão hoje lendo os velhos livros de estratégia e tática bélica e os novos de redução de custos, aumento de produtividade e eficiência.
— Sabemos que o dinheiro é pouco, queremos fazer mais com menos — comenta um deles.Acham que também não é muito entendida a importância da presença de tropas em missões da ONU. Em ações como no Haiti, está se consolidando a imagem do Brasil, mas também treinando, na prática e a custos menores, os soldados brasileiros, porque parte do gasto é ressarcido pela ONU e os militares não estão em simulações, mas enfrentando desafios reais.
*Miriam Leitão é jornalista especializada em Economia
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