sábado, 29 de março de 2008

1964 – O ANO QUE A LUZ APAGOU - 1ª Parte

Laerte Braga* Quem olhar para o 1º de abril de 1964 e para o 28 de março de 2008, 44 anos depois, vai constatar que certo estava o general Golbery do Couto e Silva, chamado de "o bruxo", quando disse que no "Brasil vivemos momentos de sístole e momentos diástole". O general quis dizer que haviam fases que o Brasil necessitava de um governo centralizador (a ditadura) e outras onde poderia descentralizar (a democracia). O que vale dizer que nada muda, todas as vezes que o modelo estiver ameaçado as elites adotam essa fórmula de gerir os "negócios". Ou um, ou outro. O presidente Luís Inácio Lula da Silva disse hoje que "a oposição destila ódio". Há uma diferença fundamental entre Lula e as principais forças políticas que se lhe opõem. Ao PSDB e aos DEMocratas não importa se sístole ou se diástole. Importam os interesses que representam. Isso equivale a dizer que democracia ou ditadura é irrelevante desde que o modelo permaneça inalterado, ou seja, o controle do leme esteja em mãos dos latifundiários, do sistema financeiro, das elites empresariais de São Paulo, todos subordinados à matriz. Golbery do Couto e Silva foi um dos signatários do manifesto dos coronéis que pediram, em 1954, o afastamento do então ministro do Trabalho João Goulart. Goulart havia levado ao presidente Getúlio Vargas o decreto que aumentava em 100% o valor do salário mínimo. O golpe militar de 1964 foi uma decisão de Washington, numa época em que o mundo se dividia entre duas superpotências e diante do impacto da revolução cubana nos povos latino-americanos. A percepção que sair do estado de colônia era possível. Os EUA começavam a enfrentar ainda a catastrófica guerra do Vietnã onde foram batidos política e militarmente, o maior desastre da história daquele país e cujos impactos ainda se fazem sentir até hoje. Estava em pleno vigor a chamada "teoria do dominó". Consistia num raciocínio simples: se uma peça cai, todas caem. Uma comissão formada por grupos privados, coordenada pela Fundação Rockfeller e chamada Comissão Tri-lateral – AAA – (América, Ásia e África) definia pelo lado norte-americano as políticas de intervenção, golpes e toda a sorte de mecanismos de controle sobre os países dependentes. A América Latina era considerada quintal (ainda o é) dos Estados Unidos. No caso específico da América Central ditaduras familiares eram sustentadas (Nicarágua e República Dominicana) por Washington e generais se revezavam no poder nos outros países da Região, ao sabor dos interesses da matriz e de suas respectivas capacidades de serem submissos (preços). Na América do Sul a queda de ditadores como Juan Perón, Rojas Pinilla, Pérez Jimenez e a presença de governos tíbios e subservientes, as crises no Brasil decorrentes das sucessivas tentativas de golpe contra Getúlio (a partir de 1950), JK e a renúncia do tresloucado Jânio Quadros, terminaram no governo João Goulart. Goulart era um misto de estancieiro, rancheiro, pupilo preferido de Getúlio Vargas e com posições à esquerda das elites brasileiras. Assumiu em condições precárias e em um grande acordo que implantou o parlamentarismo como forma de evitar uma eventual guerra civil. De volta o presidencialismo por conta de um referendo, assumiu posturas que contrariavam os interesses dos EUA. Em 13 de março de 1964 baixou vários decretos que culminaram na sua deposição. O que desapropriava as terras às margens de rodovias, ferrovias, leitos de rio e lagos em até oito quilômetros para fins de reforma agrária. O que nacionalizava todo o ciclo do petróleo (distribuição inclusive). O que taxava a remessa de lucros das empresas estrangeiras para suas matrizes e o que abria caminho para a reforma urbana. Tudo dentro de um projeto para o País formulado basicamente pelo ex-ministro e criador da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) Celso Furtado. Ademar de Barros, governador de São Paulo, era, por exemplo, um dos maiores proprietários de terras às margens de rodovias. Antes de abrir uma estrada em seu estado comprava as terras. E com dinheiro público evidente. Carlos Lacerda era um líder de extrema-direita que havia saído dos quadros do Partido Comunista numa transposição histérica e ditada por motivos familiares, candidato a presidente da República no que se imaginava seriam as eleições de 1965. As Forças Armadas brasileiras estavam divididas entre grupos de esquerda, nacionalistas de direita, nacionalistas disso, daquilo, legalistas, mais ou menos legalistas e oportunistas. A revolução cubana era a grande bandeira das forças progressistas. Uma pequena ilha enfrentando a maior potência militar e econômica do mundo e vencendo. A revolução de 1930 aconteceu na gula das elites paulistas que romperam a chamada política café com leite, em que mineiros e paulistas se revezavam no governo numa partilha das fortes elites rurais e incipientes elites urbanas.
*Laerte Braga é Jornalista

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