terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Previdência Social

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania. Quem não se lembra da enorme corrida para obtenção de aposentadorias em nosso país entre 1995 e 1998, quando começou a entrar em pauta a perspectiva de uma reforma da Previdência? Foram milhares de trabalhadores que abandonaram suas carreiras, muitas vezes precocemente, para evitar uma possível castração futura. As nossas universidades públicas talvez tenham sido aquelas que mais se ressentiram desse processo, ficando órfãs de alguns de seus mais importantes quadros pensantes. Segundo consta em nossa Constituição, assim como na de grande maioria dos países, desde 1934, existe um quadro funcional na formação da carreira do servidor público, que, diferentemente do que ocorre no setor privado, deve ser financiado com recursos orçamentários. Como lembrado por Eduardo Fagnani, professor-doutor do instituto de Economia da Unicamp, em entrevista ao Correio da Cidadania, havia, inclusive, uma rubrica chamada Encargos Previdenciários da União, EPU. Nesse sentido, não se pode falar de déficit da Previdência no setor público, pois há uma fonte de recursos, que é fiscal, além de constitucionalmente determinada. Ocorre que, com a enorme corrida às aposentadorias acima mencionada, entre 1995 e 1998, mais especificamente, chegou-se a um ponto de inversão na relação entre funcionários públicos ativos e inativos, provocando uma real explosão de gastos na Previdência Pública. Criou-se, daí, realmente, um problema de gasto bastante elevado, que, à época, poderia ter sido mais facilmente contornado. Com os vultosos recursos advindos das privatizações, que tinham como uma de suas justificativas a possibilidade de redução da dívida pública, haveria, por exemplo, a opção de se ter criado um fundo para abater parte dos gastos com a Previdência Pública. Nem abatimento da dívida pública, que sob FHC, mais especificamente entre 1994 e 2002, passou de 28% para 57% do PIB, e nem muito menos, obviamente, fundo para a Previdência. Fato é que o problema foi assumindo escala crescente e, ao assumir em 2003 o novo mandatário da nação, ele já possuía teor explosivo. Um intenso martelar de estatísticas passou a demonstrar um déficit de cerca de 40 bilhões de reais anuais na Previdência Pública – número que, ressalte-se, é bastante polêmico, já que se sabe da existência de estudos de especialistas do ramo que dizem que ele não leva em conta as contribuições que o Estado deveria fazer, e não fez, para os fundos de aposentadoria pública, além de ressaltarem a utilização que se fez do fundo inicialmente criado com os proventos dos servidores para fins diversos dos originais, tais como a construção da ponte Rio Niterói, da Transamazônica etc. Pavimentou-se, assim, o caminho para uma demonização crescente dos funcionários públicos. Obviamente que não se esperava justamente de um presidente egresso dos movimentos sociais a conclusão de uma reforma iniciada no auge do neoliberalismo. Mas a ortodoxia que tomou conta da economia já nos primeiros meses do novo mandato eliminou qualquer dose de surpresa ou frustração que porventura poderia advir da concretização dessa reforma já no primeiro ano de governo. Sob a justificativa básica de "justiça social" - já que, sempre segundo as vozes oficiais, para financiar o déficit da Previdência na área pública, seriam retirados recursos que poderiam ser aplicados em outras áreas, como educação, saúde, saneamento, infra-estrutura etc. -, levou-se a cabo uma reforma formatada para o servidor público, a partir do desenho esboçado nos anos FHC. Sem entrar no mérito de todos os detalhes restritivos aos trabalhadores e das inúmeras regras de transição, já intensamente debatidos à época, foi assim finalmente implantada a idade mínima de 65 anos para homens e 60 para mulheres, ao lado do tempo de contribuição de 35 anos para homens e 30 para mulheres, sendo que essas duas exigências deveriam, a partir de então, ser conjuntamente supridas.

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