terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A bela dragoa

Jayme Copstein

Quem apelidou os travestis refinados de “drag queens”, como são conhecidos em toda a parte, e por que o fez? Com toda a certeza não é invenção do “show business” norte-americano, como geralmente se pensa. Já no século 18, o diplomata Pierre de Beaumarchais chamava seu rival, Charles d’Eon, ambos espiões franceses na Inglaterra, a serviço do rei Luiz XV, de “vieille dragone”, “dragoa velha”, megera. Era um trocadilho malicioso porque o colega fora oficial do Regimento de Dragões. Antes disso, porém, já se consagrara como travesti. Não terá sido o primeiro da história do mundo, mas tem o primeiro lugar no pódio: só depois de morto, a autópsia comprovou que era realmente homem. Enquanto viveu, Charles d’Eon foi centro de polêmicas e apostas – era homem ou mulher? Despertou ciúmes e ódio a Madame Pompadour, que nele viu uma rival, disputando os amores de Luiz XV. Começou sua carreira espetacular em uma molecagem planejada pelos amigos. Vestido de mulher, penetrou em um baile de máscaras em Versalhes e chamou a atenção de todos os homens, particularmente a do rei. Ninguém conseguia identificar a beldade. Luiz XV ordenou que ela fosse conduzida a um aposento privado, e não se precisa dizer com que intenções. Mas rei é rei, e o rapaz temeu que a brincadeira tivesse ido longe demais e quem perdesse a cabeça fosse ele próprio, na guilhotina. Antes que o monarca descobrisse o logro com as próprias mãos, Eon revelou ser homem – dizem que foi necessária muita argumentação – e tudo terminou em gargalhadas. Mas Luiz XV viu outra utilidade na perfeição do travesti. Remeteu-o como “uma jovem dama da nobreza francesa”, acompanhada de um tio – outro agente secreto – para viver na corte russa. Em Moscou, a “moça” logo se insinuou na intimidade da própria imperatriz Isabel, que a nomeou sua “leitora privada” e entrou a lhe fazer confidências. Quando Luiz XV recebeu os primeiros relatórios, temeu que o eventual desmascaramento da beldade pudesse gerar uma situação diplomática difícil. Enviou correspondência à czarina, contando a verdade. Dizem, também, que em vez de se zangar, Isabel divertiu-se com o equívoco e manteve a amizade com Eon, valendo à França uma aliança com a Rússia. A carreira da “vieille dragone” foi longa e proveitosa para a diplomacia francesa. Posteriormente foi designado para Londres, onde desencadeou a polêmica e ganhou o apelido ao recusar uma negociata: como os ingleses se engalfinharam em apostas sobre seu verdadeiro sexo, Beaumarchais lhe propôs “vender” o segredo a alguns apostadores e “racharem” os lucros. Eon confundiu e manipulou Beaumarchais, ao ponto de fazê-lo apaixonar-se, quando se insinuava como mulher. Assumia a personalidade masculina, para afastá-lo, quando os arroubos do “Romeu” tornavam-se por demais ardentes. Assim ridicularizado, Beaumarchais tornou-se seu inimigo. Charles d’Eon ainda viveu outras peripécias, antes de envelhecer e entrar em decadência. Morreu na miséria em 1810.
Fonte: www.coletiva.net

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