domingo, 7 de setembro de 2008

Dia da Independência

O BRASIL INDEPENDENTE O príncipe não estava bem. Teria sido a água salobra de Santos ou algum prato condimentado do jantar da noite anterior? Não se sabe – nem ele o sabia. O fato é que uma diarréia o atacara, e a cavalgada pela tortuosa estrada que o conduzia da baixada santista ao platô de São Paulo não tinha ajudado em nada na recuperação do combalido ventre principesco. No instante em que o major Antônio Ramos Cordeiro e o correio real Paulo Bregaro, que tinham partido do Rio de Janeiro em direção a Santos com um maço de cartas urgentes para D. Pedro, chegaram às margens do riacho Ipiranga, divisaram alguns membros da guarda de honra parados numa colina. D. Pedro estava à beira do córrego, ‘quebrando o corpo’ – agachado para ‘responder a mais um chamado da natureza’. A correspondência lhe foi entregue enquanto ele ainda abotoava a braguilha do uniforme. As circunstâncias não eram as mais indicadas para a ‘perpetração da façanha memorável’. Mas as notícias eram de tais formas definitivas e perturbadoras que, depois de ler, amassar e pisotear as cartas, D. Pedro montou ‘sua bela besta baia’, cavalgou até o topo da colina e gritou à guarda de honra: ‘Amigos, as Cortes de Lisboa nos oprimem e querem nos escravizar... Deste dia em diante, nossas relações estão rompidas’. Após arrancar a insígnia portuguesa de seu uniforme, o príncipe sacou a espada e, às margens plácidas do Ipiranga, bradou, heróico e retumbante: ‘Por meu sangue, por minha honra e por Deus: farei do Brasil um país livre’. Em seguida, erguendo-se dos estribos e alçando a espada, afirmou: ‘Brasileiros, de hoje em diante nosso lema será: Independência ou morte’. Eram quatro horas da tarde do dia 7 de setembro de 1822 e o sol, em raios fúlgidos, brilhou no céu da pátria naquele instante. 'As cartas que D. Pedro rasgara tinham sido enviadas pelas Cortes de Lisboa (onde, com deboche, o chamavam de ‘rapazinho’ ou de ‘brasileirinho’) e acintosamente informavam que, em vez de regente do Brasil, o príncipe passaria a ser mero delegado das Cortes; que seus ministros seriam nomeados em Lisboa e que aqueles que o tinham apoiado no episódio do ‘Fico’ eram traidores da pátria. Mas, junto às missivas, vinha também uma carta de seu conselheiro, José Bonifácio de Andrada e Silva. ‘A sorte está lançada’, dizia Bonifácio, ‘nada temos a esperar de Portugal, a não ser escravidão e horrores’. A diarréia estragara o dia de D. Pedro, mas, apesar da crise das Cortes e das dores de barriga, o príncipe vivia um período luminoso. Dois dias antes, ‘numa viela pouco freqüentada de Santos’, ele tinha visto uma ‘mulata de grande beleza’ e, ‘com o gesto rápido de quem não quer perder a caça, embargou-lhe o passo’ e a beijou. A moça, que evidentemente não reconheceu o príncipe, o esbofeteou e fugiu. Embora, ao descobrir que era escrava, tenha tentado comprá-la, D. Pedro ignorou a rejeição: fazia uma semana, estava apaixonado. No dia 29 de agosto, em São Paulo, o jovem príncipe conhecera aquela que, entre incontáveis candidatas, seria a mulher de sua vida: Domitila de Castro Canto Melo, futura marquesa de Santos. No dia 5 de setembro, quando partiu para uma inspeção em Santos, o futuro imperador e Domitila já eram amantes – e o seriam por sete longos e abrasadores anos. Mas nem a diarréia nem as vertigens da paixão impediram D. Pedro de tomar a maior decisão de sua vida. Aos 24 anos, o príncipe estava desde os dez no Brasil. Aqui, tivera seus primeiros cavalos e suas primeiras mulheres; aqui, vencera seus primeiros desafios, políticos e pessoais. D. Pedro amava o país. Parecia o homem certo para torná-lo uma nação independente. Foi justamente o que ele fez. (?). (Bueno, Eduardo inBrasil: uma História - A incrível saga de um paísÁtica - 2003)

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