domingo, 19 de dezembro de 2010

O vespeiro da unificação

por Cassio Zirpoli*

CBF ainda não bateu o martelo sobre a união dos títulos e outros ´novos` campeões podem surgir

A decisão da CBF de unificar os títulos da Taça Brasil (1959-1968) e do Torneio Roberto Gomes Pedrosa (1967-1970) ao Campeonato Brasileiro, criado em 1971, foi uma das decisões mais polêmicas dos últimos tempos no futebol do país. A notícia repercutiu em muitos estados, sinalizando uma mudança drástica na história clubística. A decisão, a ser homologada ainda neste mês, abre precedentes legais. A CBF criou um vespeiro que está só começando. O ponto de partida foi o dossiê apresentado ao presidente da entidade, Ricardo Teixeira, mostrando o valor das duas competições, que seriam conhecidas na época como ´Campeonato Brasileiro`. O documento de quase 300 páginas é resultado de uma extensa pesquisa do escritor Odir Cunha, a pedido dos seis clubes campeões no período.

Anexo ao estudo, um vídeo produzido com personagens importantes, como ex-craques que brilharam na Seleção e João Havelange, ex-presidente da Fifa e da CBD, precursora da CBF. Material suficiente para convencer Teixeira. Na premissa da unificação dos títulos, alguns pontos-chave: competições interregionais, organizadas pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD) até 1970, além do reconhecimento na época. Esse contexto, no entanto, se estende a outros torneios. Assim, outros clubes viram brechas nessa oficialização iminente, seja pelo regulamento, importância das competições ou disputa paralela. Todas com a mesma chancela.

Para compreender o futebol brasileiro pré-1971 é importante enxergar a logística do Brasil, precária na estrutura aeroviária, sem voos diários. Torneios regionais eram intermitentes. Interregionais, apenas com muito esforço financeiro. Sob a organização da CBD, alguns deles atingiram os pré-requisitos. A começar pelo Torneio dos Campeões de 1920. Na era amadora do futebol, romântica. Futebol de cartola.

Foi o primeiro torneio de caráter ´nacional`, criado pela CBD e contou com apenas três clubes, de escolas de peso: Rio de Janeiro (Fluminense), São Paulo (Paulistano) e Rio Grande do Sul (Brasil de Pelotas). Se na década de 1960 a estrutura já não era das melhores, imagine ali. Os jogos no Rio, no estádio das Laranjeiras, o maior do país até então. O clube paulista foi o campeão. A média de gols foi de incríveis 7,6, o que mostra a diferença para o futebol atual.

A competição não entrou no estudo de Odir por uma explicação simples: nenhum clube a solicitou. Até agora. Na última semana, a Portuguesa tornou pública a sua intenção de solicitar junto à CBF a equiparação dos seus dois títulos no Torneio Rio-São Paulo, em 1952 e 1955, com o porte de uma Série A. O pleito é embasado no fato de que a competição foi ampliada para o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, em 1967, que, por sua vez, foi substituído pelo Brasileirão quatro anos depois.

O raio de ação da antiga CBD chega a Pernambuco, ao Sport. Paralelamente ao Robertão, a entidade organizou o Torneio Norte-Nordeste. Na edição pioneira, triunfo do Sport, em um campeonato com 23 times e 12 estados. O vice-presidente jurídico do Leão, Eduardo Carvalho, segue reticente sobre a unificação propalada pela CBF, mas, caso o anúncio seja feito, garante que o Rubro-negro vai atrás de seus direitos. ´Faz total sentido e a gente está atento a isso. Estamos esperando a definição da unificação. Acho muito difícil mudar tudo, mas, se acontecer, vamos em busca do que é nosso`. Para se ter uma dimensão do precedente aberto, basta dizer que os pseudotítulos brasileiros listados nesta reportagem somam 41 troféus. Até hoje, o Brasileirão teve 40 edições.

Campeões
Torneio Rio-São Paulo
Período: 1933 e 1950-1966
As federações paulista e carioca se uniram no início do profissionalismo e realizaram o intercâmbio através do Rio-SP de 1933. Em 1950, a competição voltou mais organizada, em turno único, e chamada, curiosamente, de Torneio Roberto Gomes Pedrosa, em homenagem ao ex-presidente da FPF. As edições de 1964 e 1966 terminaram com divisão de títulos por falta de datas.

Torneio R. Gomes Pedrosa
Período: 1967/1970
O início da ´nacionalização` do futebol brasileiro pode ter começado com o Rio-SP, mas em 1967 a competição foi ampliada, com a entrada de clubes gaúchos (dois), Minas Gerais (dois) e Paraná (um). No ano seguinte, já organizada pela CBD (e apelidada de Taça de Prata), entraram times de Pernambuco (Náutico) e Bahia. O Santa Cruz participou em 1969 e 1970, quando o Fluminense foi campeão e ganhou a vaga na Libertadores.

Taça Brasil
Período: 1959/1968
Uma bola de neve deu origem ao primeiro campeonato nacional ´oficial` do Brasil. Começa com a criação da Copa dos Campeões da Europa, em 1956. Para elaborar uma disputa intercontinental com os europeus, a Conmebol anunciou a Libertadores, que seria realizada em 1960. Então, a CBD criou a Taça Brasil, no formato mata-mata, para reduzir custos, convidando todos os campeões estaduais.

Torneio dos Campeões
1920 e 1937
Além do triangular no Rio de Janeiro, em 1920, a competição também aconteceu em 1937, com vitória do Galo mineiro, que busca, com o torneio, recuperar o status de primeiro campeão nacional, perdido com a unificação. Pesa contra o Atlético o fato de que o torneio foi organizado pela extinta FBF, rival da CBD durante a transição do futebol amador para o profissional. Reuniu campeões do Rio, São Paulo, Minas e Espírito Santo.

Torneio dos Campeões
da CBD - 1969
Em março de 1969 a CBD elaborou um mata-mata para a vaga na Libertadores de 1970. Reuniu os campeões do N/NE (Sport), Robertão (Santos), Taça Brasil (Botafogo) e da única edição do Centro-Sul (Grêmio Maringá). O time do interior paranaense eliminou o Sport e o Santos, que desistiu por falta de datas. Na decisão, o Botafogo alegou o mesmo e não jogou. A taça foi entregue ao Maringá. A vaga na Libertadores, porém, foi suspensa, pois a CBD manteve o embargo à Conmebol, iniciado em 1969.

Torneio Norte-Nordeste
Período: 1968 a 1970
Com o objetivo de movimentar o futebol do ´Norte do Brasil` paralelamente ao Robertão, a CBD criou o Torneio Norte-Nordeste. Foram três edições de ambos via CBD. No Diario de Pernambuco em 29 de setembro de 1968: ´O certame, que ontem começou movimentará representantes de todos os estados da região, para ser conhecido o grande campeão do Norte-Nordeste, foi criado dentro da nova mentalidade que a CBD tem dado ao futebol brasileiro`. O Sport jogou 20 vezes, com 16 vitórias. Baixa, lateral-direito titular, hoje trabalha na sala de troféus do clube, na Ilha. Ao campeão, o status de ´Campeão do Norte do Brasil`.
*Cassio Zirpoli é Jornalista
Fonte: www.diariodepernambuco.com.br

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