segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O dia em que o Rei Pelé foi Tricolor

por Beto Meyer

Para Pelé, a paixão pelo futebol sempre esteve além das muitas vantagens econômicas e pessoais que dele retirou. Ele chegou a entrar em campo, algumas vezes, só para que a bola continuasse a rolar e o espetáculo não se frustasse. Foi o caso da única vez em sua carreira em que atuou vestindo a camisa do Fluminense Football Club. Eis o que restou da história, vivida no continente africano. Em abril de 1978, o Fluminense fazia uma excursão pela Nigéria. No dia 26 daquele mês, o time tinha um amistoso programado contra o Racca Rovers, de Lagos, a capital. O jogo seria em Kaduna, cidade situada nas montanhas do norte. Por uma simples coincidência de agendas, nada mais que isso, Pelé estava também na Nigéria, trabalhando na promoção de uma marca de eletrodomésticos. As autoridades nigerianas o convidaram, e ele aceitou, a dar o chute inicial da partida. Seria apenas isso, uma homenagem do Rei ao país.

Ao ser divulgada, a notícia de que Pelé estaria em campo provocou, no entanto, um grave mal-entendido. As rádios nigerianas, por confusão, ou tentando forçar uma situação, passaram a divulgar que o Rei disputaria a partida, vestindo a camisa do Fluminense. Em conseqüência deste erro, os 30 mil ingressos colocados à venda para o jogo se esgotaram.

Assim que o engano foi percebido, as autoridades entraram em pânico. O próprio governador da capital ameaçou não ir ao estádio se Pelé não jogasse, pelo menos, um tempo. Ele seria a companhia oficial do Rei na tribuna de honra, mas não se contentava com isso, queria vê-lo também em campo.

Diante da perspectiva de ver Pelé em campo, criou-se uma atmosfera de euforia na cidade. Preocupado com as possíveis conseqüências do mal-entendido, Ângelo Chaves, chefe da delegação do Fluminense, tratou de procurar as autoridades de Lagos na esperança de desfazer, a tempo, o erro. Mas já era impossível voltar atrás. A polícia municipal passou, também, a se preocupar com a ausência de Pelé e as reações imprevisíveis, e violentas, que tal fato poderia desencadear. Numa entrevista à rádio oficial, o chefe de polícia chegou a dizer que, se Pelé não entrasse em campo, ele retiraria todos os policiais do estádio, já que se sentia impotente para enfrentar a situação.

Sem alternativas, as autoridades nigerianas trataram de procurar Pelé, fazendo um apelo enfático para que disputasse a partida. E, para evitar o pior, ele, que não pisava um gramado havia mais de seis meses, viu-se obrigado a aceitar. Teve dificuldades até para encontrar uma chuteira que lhe servisse, se vendo obrigado a usar um par de chuteiras abaixo do seu número. Assim, com os pés apertados, jogou o primeiro tempo com a camisa do Fluminense, mas, para desencanto da história tricolor, não chegou a marcar gols.

O primeiro tempo terminou 1 a 0 para o Fluminense, mas o gol foi marcado pelo zagueiro Marinho Chagas. O Time carioca venceu o Racca Rovers por 2 a 1, sendo o segundo gol marcado por Gilson, conhecido com o "o Gênio" - que muito mais tarde viria a ser treinador no clube. Ao fim da partida, Gilson, e não Pelé, foi carregado em delírio pela torcida nigeriana.

Antes do jogo em Kaduna, na Nigéria, Pelé, desdobrando-se em gentilezas com seus anfitriões, chegou a desfilar no gramado em trajes muçulmanos. Como um sinal agourento, durante o intervalo do primeiro para o segundo tempo, e logo após a saída triunfal de Pelé, um enxame de abelhas invadiu o estádio, espalhando o pânico. Mas não houve incidentes, com exceção de um policial que, atrapalhado com os insetos, caiu do cavalo. De Kaduna, o Fluminense seguiu para Lagos, a capital, para um amistoso contra o Ibadan. Novamente a presença de Pelé foi anunciada ostensivamente, mas, dessa vez, ele preferiu não entrar em campo e viajou para Londres.

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